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17 março 2010

76. Bom dia

Apesar de ter sido gravada pela primeira vez como samba por Linda Batista, em 1942, foi a versão de 1968, no disco É tempo de amor, dessa vez como bolero na voz de Dalva de Oliveira, que fez a canção "Bom dia", de Aldo Cabral e Herivelto Martins, se imortalizar. Mas as duas versões tem suas qualidades.
O tema é mais uma vez a separação e a reação passional beirando o desespero do amante abandonado. A letra é carregada de expressões dramáticas e teatrais que ajudam a reforçar a interpretação não menos intensa de Dalva.
Há pelo menos um verso inesquecível: "O amor é o ridículo da vida". Mas afinal, diria Fernando Pessoa, "só as pessoas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas".
Destaque também para o uso dos verbos e pronomes na 2ª pessoa - "Não te convences", "tu cometeste", etc - que remetem o ouvinte a um discurso empolado, parnasiano e quase em desuso na palavra falada contemporânea. O tal "falar bonito", que pouco tinha a ver com a realidade cotidiana do público de canção, mas que, talvez por isso mesmo, causava boa impressão.
Nada, entretanto, que atrapalhe o interessante passeio proposto pelo sujeito da canção. Somos arrastados a um trajeto doloroso: desde o travesseiro vazio, passando pelos aposentos que não tem mais o eco do amante, até terminar no irônico achado da toalha no banheiro: as palavras "Bom dia".
A ironia do outro se revela quase corrosiva, perversa: como ter um bom dia depois de ser abandonado? "Nem sequer no apartamento deixaste um eco, um alento da tua voz tão querida", portanto, como seguir sem aquele que me cantava, que me situava no mundo? Pergunta o sujeito.

***

Bom dia
(Aldo Cabral / Herivelto Martins)

Amanheceu, que surpresa
Me reservava a tristeza
Nessa manhã muito fria
Houve algo de anormal
Tua voz habitual
Não ouvi dizer “Bom dia!”

Teu travesseiro vazio
Provocou-me um arrepio
Levantei-me sem demora
E a ausência dos teus pertences
Me disse: “Não te convences
Paciência, ele foi embora”

Nem sequer no apartamento
Deixaste um eco, um alento
Da tua voz tão querida
E eu concluí num repente
Que o amor é simplesmente
O ridículo da vida

Num recurso derradeiro
Corri até o banheiro
Pra te encontar, que ironia
E que erro tu cometeste
Na toalha que esqueceste
Estava escrito: “Bom dia!”

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