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15 março 2010

74. Chega da saudade

"Chega de saudade", de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, é um clássico. Já ganhou várias interpretações, todas valorizando a passionalidade da canção: o canto da separação dos amantes, com vistas para o encontro feliz.
No disco Novas bossas (2008), a união da voz de Milton Nascimento (em tom bastante intimista) com a harmonia e frescor do Jobim Trio enchem a canção de luxo e suavidade: fio de certeza que atravessa as sombras da solidão e vai tocar o destinatário, no coração.
O Jobim Trio é responsável pelos novos arranjos das canções deste disco que, além de homenagear a Bossa Nova, valoriza as fibras sonoras que marcaram o movimento.
Destacar a beleza da voz de Milton Nascimento é cometer sempre uma prazeirosa redundância. A merencória pulsação de suas cordas vocais torna qualquer canto belo e deslumbrante: há um lamento, uma agonia, um desassossego que infestam as canções interpretadas por ele, levando-as àquele lugar em que o trágico se manifesta: aponta para a beleza terrível da existência.
Há o barulho (arranjado) de um trem no início desta versão de "Chega de saudade", que logo dá lugar à leveza que a canção exige. O trem tanto faz referência às viagens que o ouvinte experimentou durante a audição do disco, quanto ao trem mineiro de Milton estacionando no Rio, terra de Tom.
"Chega de saudade" sintomaticamente fecha o disco. Uma atitude de espera por estações (e bossas) novas. "Chega de saudade" é o canto que se executa para dizer ao outro que, sem ele, a vida não faz sentido.
A disjunção erótica cantada é o motor da canção e do sujeito que canta. Mas, basta ele imaginar a volta do outro, "dela, para tudo mudar: a voz e a melodia se aquecem na possibilidade, mesmo que apenas no canto (na ficção; na imaginação), da volta: "que coisa linda, que coisa louca".
A canção "Chega de saudade" se equilibra sobre uma nada sutil complexidade: o deslizamento dos corpos, e suas vozes, dentro da relação de interdependência dos significantes "musa" e "cantor".
Ela, que povoa a solidão do sujeito - "cirandas voltas de tu em mim", como diz os versos da poesia "Saudade", de Amador Ribeiro Neto -, é a musa: promove o canto, movimento de liberdade, mas mantêm o sujeito preso, assujeitado pela paixão.

***

Chega de saudade
(Tom Jobim / Vinícius de Moraes)

Vai minha tristeza,
e diz a ela que sem ela não pode ser,
Diz-lhe, numa prece
que ela regresse, porque eu não posso mais sofrer

Chega, de saudade
a realidade, é que sem ela não há paz,
não há beleza
É só tristeza e a melancolia
Que não sai de mim, não sai de mim, não sai

Mas se ela voltar, se ela voltar
Que coisa linda, que coisa louca
Pois há menos peixinhos a nadar no mar
Do que os beijinhos que eu darei
Na sua boca

Dentro dos meus braços
os abraços hão de ser milhões de abraços
Apertado assim, colado assim, calado assim
Abraços e beijinhos, e carinhos sem ter fim
Que é pra acabar com esse negócio de você viver sem mim
Não quero mais esse negócio de você longe de mim

Um comentário:

Márcia Leite. disse...

linda e eterna!