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26 maio 2010

146. Veja bem, meu bem

Para André Masseno

"Veja bem, meu bem" trabalha com a quebra da expectativa do ouvinte. O sujeito da canção vai construindo uma ideia (a de que ele arranjou outro alguém) que será (provavelmente quando o receptor já estiver a ponto de explodir) desconstruída: "arranjei alguém chamado saudade".
O tom de confissão e embaraço do sujeito ("veja bem, meu bem") amplia o estado de tensão que se estabelece no receptor, que cansado, de regresso de uma viagem, respira aliviado ao final da declaração. Afinal, é uma confissão de amor (fiel e leal) o que ele escuta.
Obviamente, podemos ouvir no discurso do sujeito que canta a sugestão de uma ameaça: "viajar sem mim, me deixar assim, tive que arranjar alguém pra passar os dias ruins", ou seja, "não me abandone (a solidão deixa o coração neste leva-e-traz), pois você não vai gostar do que pode acontecer". Esta ideia é reforçada na cobrança de que o casamento ("somos no papel") não está completo ("mas não no viver").
Mas fiquemos no plano do que é dito: eu te amo, sofro com tua ausência, mas te espero. A saudade é personificada (materializada) para encher o vazio deixado pelo ser amado. Esta imagem, reiterada inúmeras vezes na canção popular, sempre funciona como um encantamento para quem ouve.
Ao contrário da "moça linda" da canção "Em plena lua de mel", que "toda vez que o seu namorado sai, ela vai ver outro rapaz", o sujeito de "Veja bem, meu bem" se "fecha em si", e, no desassossego e na falta de paz, busca consolo (e alimenta) o sentimento que intensifica a ausência do outro.
Ney Matogrosso (Inclassificáveis, 2008), ao trabalhar com as alturas, investe, primorosamente, na dubiedade do texto. Estas traições sutis são sempre bem vindas e apimentam a relação, o sujeito sabe disso, cria um discurso enviesado sobre isso, e declara: Veja bem, amor, veja bem, além, nada abala o meu amor.

***

Veja bem, meu bem (Marcelo Camelo)

Veja bem, meu bem
sinto lhe informar
que encontrei alguém
pra me consolar

este alguém está
quando você sai
e eu só posso crer
pois sem ter você
nestes braços tais

Veja bem, amor
onde está você
somos no papel
mas não no viver

Viajar sem mim
me deixar assim
tive que arranjar
alguém pra passar os dias ruins

enquanto isso
navegando vou sem paz
sem ter um porto
quase morto sem um cais
e eu nunca vou
te esquecer, amor
mas a solidão
deixa o coração
neste leva-e-traz

Veja bem, além
destes fatos vis
saiba, traições
são bem mais sutis

Seu eu te troquei
não foi por maldade
amor, veja bem
arranjei alguém
chamado saudade

Um comentário:

Diego Sousa disse...

Já gostava dessa canção com Los Hermanos. Quando Ney gravou foi uma surpresa, pois ele conseguiu deixar a música ainda mais delicada...
Bjs!