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22 maio 2010

142. O livre atirador e a pegadora

O xote, o xaxado e o baião, com suas derivações, sempre estiveram presentes na obra de Gilberto Gil. Importa lembrar a (re)valorização que a Tropicália deu a Luiz Gonzaga.
Vira e mexe, portanto, é possível identificar as matrizes do sertão impregnando as canções de Gil com explosões sonoras de puro encantamento e ritmo.
Em Fé na festa (2010), Gil adensa estas perspectivas nordestinas utilizando os estratos melódicos/rítmicos e os temas caros às noites de céu em festa: as noites de São João.
"O livre atirador e a pegadora", um xote dengoso, apresenta um sujeito que sente o clima sensual das noites frias de junho. Porém, ele finda por expandir sua mirada ao comportamento dos brincantes (aqueles que vão, e fazem, à festa) para os festejos populares de norte a sul do país. "Vale pro Rio, São Paulo, pra Bahia".
O mote é o malfadado e desejado "vale-night" (outrora conhecido como "alvará de soltura" ou "alforria"). Ele é a solução para a agonia daqueles que querem curtir a festa, com liberdade, mas não querem ficar mal com seus parceiros, como canta o Asa de águia.
O vale-night (o "passaporte da alegria"), assim, atesta e formaliza a ideia de que, no carnaval (e nas festas populares - de rua - em geral), "eu sou de ninguém, eu sou de todo mundo e todo mundo é meu também". Mas, óbvio, como toda formalidade, o vale (night or day) tem um prazo de validade, estabelecido pelos namorados.
Sem juízo de valor, ou qualquer falsa moral, o sujeito, meio confuso, canta (observa e registra) o novo modelo ético-erótico-afetivo estabelecido pelas pessoas na festa, em que a quantidade de "ficadas" ("muita performance, muita parada") despoleta, ou não, a qualidade das relações,tão quentes e frágeis quanto uma brasa de fogueira. Sem o stress das relações românticas, com suas pressões e cobranças. Agora a coisa mudou e o sujeito do xote não sabe mais como definir os casos eróticos: "Não é casal porque não são casados, não é um par porque logo são três, ou mais".
A atitude de ser livre atirador e pegadora (e vice-versa, a mulher também desempenha papel ativo no jogo) aponta a atmosfera de autodevoração das festas: "Namoradas, namorados vários de uma vez". Posto que, "amor pra eles é amor pletora" (superanbundante).
Além das gírias, Gil joga com os nomes de bandas conhecidas no Nordeste (e além), afinal são elas que esquentam os jogos amorosos, para criar o clima de descontração e de liberdade (permissividade) da festa. Timbalada, Babado Novo, Psirico e Calcinha Preta viram substantivos e adjetivos que espelham e espalham a sensualidade pelo ambiente.

***

O livre atirador e a pegadora
(Gilberto Gil)

Não é casal porque não são casados
Não é um par porque logo são três, ou mais
O fato é que já estão acostumados
Namoradas, namorados vários de uma vez

Muita performance, muita parada
Muita balada, muito forrozão
Não tem romance, não tem paixão frustrada
De vale night não precisam não

É vale dia e noite, é vale noite e dia
Vale pro carnaval, vale pro São João
vale pro Rio, pra São Paulo, pra Bahia
vale pro Ceará, vale pro Maranhão

O livre atirador e a pegadora
A pegadora e o livre pegador, que amor
Que amor pra eles é amor pletora
Quem namora, quem namora
Quem namora, quem namora quem

Tem Timbalada, tem Babado novo
Tem Psirico, tem Calcinha azul
Calcinha Preta com Cuequinha branca
Tem vale norte, vale norte a sul

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