"Na massa", de Arnaldo Antunes e Davi Moraes, poderia ser mais uma "canção de lista", pois enumera uma série de estilos, atitudes e comportamentos. Porém, o acabamento final dado pelos compositores lhe oferece uma beleza singular.
Importa dizer que as chamadas list song, termo usado para pensar algumas canções de Cole Porter, fazem sucesso por aqui. Seja porque "circula" o objeto da canção com metáforas e metonímias que tentam defini-lo, seja porque estabelece, com isso, a investigação de certa identidade ao objeto: e, como sabemos, ter identidade clara é sonho (impossível) do indivíduo colonizado.
Ou seja, há um sutil desejo de, ao enumerar as delícias da coisa, chamar a atenção para ela: seja para um lugar, seja para uma personagem. Assim, desde "No tabuleiro da baiana" (1936), de Ary Barroso e Luiz Barbosa até "Não é proibido" (2008), de Marisa Monte, Dadi e Seu Jorge, exemplos não faltam. E, no centro disso, claro, não podemos esquecer das list songs cartões postais da Bahia de Dorival Caymmi.
"Na massa", gravada por Arnaldo Antunes, em 2001, no disco Paradeiro, e por Davi Moraes, em 2002, no disco Papo macaco, estabelece uma rápida empatia com o ouvinte, pela letra lúdica: fusão de elementos díspares, mas complementares, diante da proposta do sujeito da canção. Além da convidativa levada pop e rock da melodia.
O clima parece ser criado a partir de um sujeito posicionado no meio de uma multidão (na praça, no carnaval?) e que com o "olho livre", oswaldiano, capta a diversidade nos foliões ao redor, além das múltiplas possibilidades de "se mostrar" e curtir a festa.
A mensagem, depois da profusão de acessórios e vestimentas - compondo uma figura algo sensual que mostra a pele pelo "rasgo da calça", sob o sol de domingo - é a de que não importa a máscara: o importante é "se jogar" e sumir na massa, se misturar.
Aqui, dois aspectos se fundem, tanto a "massa" no que, segundo Lucia Santaella (no livro Linguagens líquidas na era da mobilidade), diz respeito "à homogeneização da informação, veiculada pelos meios de massa, em uma faixa repertorial que é nivelada para um receptor médio abstrato", e, no carnaval, de rua, seria o trio elétrico a exercer tal função; quanto "massa" no sentido do rompimento na individuação, típico da festa dionisíaca.
O sujeito da canção desenha uma personagem de subjetividade escorregadia, em um corpo mutável, que absorve e esgarça a volaticidade das modas: blusa de abajur, manto de garrafa pet, tatuagem de chiclete (não fixa e de fácil remoção) e saia de safari.
Em 2009, Adriana Partimpim, heterônimo de Adriana Calcanhotto, ressurge com o disco Partimpim 2 e usa "Na massa" como símbolo do período em que montar e desmontar subjetividades é exercício prazeiroso e fundamental: a infância - era do carnaval, em que todo mundo pode tudo.
A versão da Partimpim para "Na massa" dá ênfase a outros instrumentos (de brinquedo), que intencificam o objetivo de criar uma atmosfera lúdica. E acerta em cheio!
De fato, "Na massa" é uma canção tão bacana e enigmática (a personagem permanece o tempo todo escondida, perdida atrás de alguma das máscaras cantadas) e tão bem construída (com suas sobreposições de imagens e volteios rítmicos) que não dá para não curtir todas as suas versões.
Importa dizer que as chamadas list song, termo usado para pensar algumas canções de Cole Porter, fazem sucesso por aqui. Seja porque "circula" o objeto da canção com metáforas e metonímias que tentam defini-lo, seja porque estabelece, com isso, a investigação de certa identidade ao objeto: e, como sabemos, ter identidade clara é sonho (impossível) do indivíduo colonizado.
Ou seja, há um sutil desejo de, ao enumerar as delícias da coisa, chamar a atenção para ela: seja para um lugar, seja para uma personagem. Assim, desde "No tabuleiro da baiana" (1936), de Ary Barroso e Luiz Barbosa até "Não é proibido" (2008), de Marisa Monte, Dadi e Seu Jorge, exemplos não faltam. E, no centro disso, claro, não podemos esquecer das list songs cartões postais da Bahia de Dorival Caymmi.
"Na massa", gravada por Arnaldo Antunes, em 2001, no disco Paradeiro, e por Davi Moraes, em 2002, no disco Papo macaco, estabelece uma rápida empatia com o ouvinte, pela letra lúdica: fusão de elementos díspares, mas complementares, diante da proposta do sujeito da canção. Além da convidativa levada pop e rock da melodia.
O clima parece ser criado a partir de um sujeito posicionado no meio de uma multidão (na praça, no carnaval?) e que com o "olho livre", oswaldiano, capta a diversidade nos foliões ao redor, além das múltiplas possibilidades de "se mostrar" e curtir a festa.
A mensagem, depois da profusão de acessórios e vestimentas - compondo uma figura algo sensual que mostra a pele pelo "rasgo da calça", sob o sol de domingo - é a de que não importa a máscara: o importante é "se jogar" e sumir na massa, se misturar.
Aqui, dois aspectos se fundem, tanto a "massa" no que, segundo Lucia Santaella (no livro Linguagens líquidas na era da mobilidade), diz respeito "à homogeneização da informação, veiculada pelos meios de massa, em uma faixa repertorial que é nivelada para um receptor médio abstrato", e, no carnaval, de rua, seria o trio elétrico a exercer tal função; quanto "massa" no sentido do rompimento na individuação, típico da festa dionisíaca.
O sujeito da canção desenha uma personagem de subjetividade escorregadia, em um corpo mutável, que absorve e esgarça a volaticidade das modas: blusa de abajur, manto de garrafa pet, tatuagem de chiclete (não fixa e de fácil remoção) e saia de safari.
Em 2009, Adriana Partimpim, heterônimo de Adriana Calcanhotto, ressurge com o disco Partimpim 2 e usa "Na massa" como símbolo do período em que montar e desmontar subjetividades é exercício prazeiroso e fundamental: a infância - era do carnaval, em que todo mundo pode tudo.
A versão da Partimpim para "Na massa" dá ênfase a outros instrumentos (de brinquedo), que intencificam o objetivo de criar uma atmosfera lúdica. E acerta em cheio!
De fato, "Na massa" é uma canção tão bacana e enigmática (a personagem permanece o tempo todo escondida, perdida atrás de alguma das máscaras cantadas) e tão bem construída (com suas sobreposições de imagens e volteios rítmicos) que não dá para não curtir todas as suas versões.
***
Na massa
(Arnaldo Antunes / Davi Moraes)
vai de mon amour
blusa de abajur
óculos escuro apaziguando o sol
no domingo a caminho da praça
óculos ray-ban
raio de tupã
no pulso pulseira,
no corpo collant
mostra a pele pelo rasgo da calça
pode ser de farda ou fralda
arrastando o véu da cauda
jóia de bijuteria
lantejoula e purpurina
manto de garrafa pet
tatuagem de chiclete
de coroa ou de cocar
pode se misturar
na massa
some na massa
sai de chafariz
bico de verniz
saia de safári sorriso de miss
camiseta de che guevara
plástico metal
árvore de natal
de biquíni xale bata ou avental
e uma pinta pintada na cara
pode vir de esporte ou gala
de uniforme com medalha
braço cheio de pacote
nada debaixo do short
derramando seu decote
gargantilha no cangote
segue a moda de ninguém
usa o que lhe convém
vai de my cherri
vai de mon amour
vai de bem-me-quer
vai do que vier
na massa
some na massa
anda de abadá
dança o bragadá
turbante importado
lá de Bagdá
fantasia de anjo sem asa
sola de pneu
todo mundo é eu
roupa de princesa
em pele de plebeu
no passeio de volta pra casa
passa de cabelo moicano
ou com lenço de cigano
méxico chapéu cabana
capacete de bacana
de sarongue ou de batina
tanga de miçanga fina
moda tem a sua só
passo de carimbó
na massa
some na massa
(Arnaldo Antunes / Davi Moraes)
vai de mon amour
blusa de abajur
óculos escuro apaziguando o sol
no domingo a caminho da praça
óculos ray-ban
raio de tupã
no pulso pulseira,
no corpo collant
mostra a pele pelo rasgo da calça
pode ser de farda ou fralda
arrastando o véu da cauda
jóia de bijuteria
lantejoula e purpurina
manto de garrafa pet
tatuagem de chiclete
de coroa ou de cocar
pode se misturar
na massa
some na massa
sai de chafariz
bico de verniz
saia de safári sorriso de miss
camiseta de che guevara
plástico metal
árvore de natal
de biquíni xale bata ou avental
e uma pinta pintada na cara
pode vir de esporte ou gala
de uniforme com medalha
braço cheio de pacote
nada debaixo do short
derramando seu decote
gargantilha no cangote
segue a moda de ninguém
usa o que lhe convém
vai de my cherri
vai de mon amour
vai de bem-me-quer
vai do que vier
na massa
some na massa
anda de abadá
dança o bragadá
turbante importado
lá de Bagdá
fantasia de anjo sem asa
sola de pneu
todo mundo é eu
roupa de princesa
em pele de plebeu
no passeio de volta pra casa
passa de cabelo moicano
ou com lenço de cigano
méxico chapéu cabana
capacete de bacana
de sarongue ou de batina
tanga de miçanga fina
moda tem a sua só
passo de carimbó
na massa
some na massa
2 comentários:
amo arnaldo, mas prefiro a versão do davi! a versão da adriana ainda não ouvi, valeu a dica! :*
super lúdica tua idéia, adorei!
e ótimo 2000 e DEZ pra tu!
isso porque não ouviste uma versão "ao vivo" do arnaldo, é MASSA!
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