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21 janeiro 2010

21. O vento

A metáfora dos líquidos tem auxiliado no entendimento das relações afetivas contemporâneas. Pautadas em um tempo-espaço que escorrega entre os dedos (mutável e cambiante), as relações líquidas parecem ser a motivação mais sensível das canções do Los Hermanos.
Há sempre um sujeito desalentado e melancólico: saudoso de algo não vivido, mas que já se insinua como falta, ausência. Há sempre um sujeito diante da solidão humana e existencial. Mesmo quando há amor, e sempre há amor em algum nível, ele vem atravessado pelo interdito.
A canção "O vento", de Rodrigo Amarante, lançada no disco 4 (2005), não é diferente. Acompanhada por uma melodia triste, mas com respirações quentes, a letra parece dialogar com "Vento no litoral". O sujeito quer "descansar, chegar até a praia e ver se o vento ainda esta forte e vai ser bom subir nas pedras".
O vento na pele despoleta o pensar. Dito de outro modo, sentir o vento na carne é perceber o tempo: torná-lo presença material. Ora, na impossibilidade disso, só resta ao sujeito cantar a vida, pois só é possível estocar os sonhos e seus encantos, já que todo o jeito não se fixa.
"Sei que faço isso pra esquecer. Eu deixo a onda me acertar e o vento vai levando tudo embora". Para o sujeito de "O vento", o tempo traz e leva. Diante do reino das sereias - cantantes por excelência, o sujeito responde à voz que vem do mar.
O mar, que naturalmente estimula a reflexão, aqui é adensador do desassossego do sujeito da canção. Ou seja, diante da fartura das possibilidades (iconizada pelo infinito) o ser se recolhe, sem conseguir respostas para as inquietações interiores: por exemplo, por que o amor chega ao fim?
Ele deixa escapar um segredo: "se a gente já não sabe mais rir um do outro, meu bem, então o que resta é chorar. Perder a capacidade de "rir de si mesmo", algo imposto pelo malfadado, porque mal entendido e praticado, "politicamente correto", arrebenta (choque entre a água e a rocha) qualquer impulso mais positivo: reativo.
Sobra o desejo de que o amor possa renascer, depois, "bento de lágrimas", já que "a cada milágrimas sai um milagre", como Alice Ruiz e Itamar Assumpção entenderam.

***

O vento
(Rodrigo Amarante)

posso ouvir o vento passar
assistir à onda bater
mas o estrago que faz
a vida é curta pra ver
eu pensei que quando eu morrer
vou acordar para o tempo
e para o tempo parar
um século, um mês
três vidas e mais
um passo
pra trás?
por que
será?
vou pensar

como pode alguém sonhar
o que é impossível saber
não te dizer o que eu penso
já é pensar em dizer
e isso, eu vi, o vento leva
não sei mas sinto que é como sonhar
que o esforço pra lembrar
é a vontade de esquecer
e isso por quê?
(diz mais)

se a gente já não sabe mais
rir um do outro, meu bem
então o que resta é chorar
e talvez
se tem que durar
vem renascido o amor
bento de lágrimas
um século, três,
se as vidas atrás são parte de nós
e como será?

o vento vai dizer lento o que virá
e se chover demais a gente vai saber,
claro de um trovão,
se alguém depois sorrir em paz
(só de encontrar)

3 comentários:

Marcio Debellian disse...

Muito boa a ideia! Vou acompanhar! HJ entrei rapidinho, mas ja adicionei, visitarei mais vezes. Abs,

Anônimo disse...

Eu acho que tem referencias com "onda" e "brisa" tambem, que remete a uma calmaria canabica.

Rafael Mori disse...

Adorei o comentário anterior sobre a experiência canábica!
Também achei curioso a disposição dos versos, em sua dimensão verbo-visual: as estrofes têm a forma de ondas. O vento na praia ou, como seu texto induz brilhantemente, o "Vento No Litoral".