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17 janeiro 2010

17. Dindi

Para o semioticista Luiz Tatit, o elemento passional de uma canção pode ser percebido pela sustentação das vogais, ou seja, pelo alongamento da duração da pronúncia de uma vogal. Este recurso (da passionalização) é usado pelo cancionista para pontuar e demonstrar estados (psíquicos e afetivos) tais como: solidão, frustração, abandono, ciúme, mas também amor, entrega, paixão.
A intenção é fazer com que o ouvinte "sinta" o conflito experimentado pelo sujeito da canção no momento do canto. As canções românticas (mais lentas e introspectivas) são o melhor exemplo desta modalidade. Nelas há sempre um sujeito cantando o amor (bem sucedido ou não). O intérprete prolonga as vogais no movimento de plasmar as tensões acústica e física correspondentes à tensão psíquica.
Aquilo que é dito precisa roçar a sensibilidade do ouvinte naquilo que há de mais comum entre quem canta e quem ouve: as vibras da paixão; a abertura (humana) ao enamoramento e à, consequente, ou não, frustração.
Noutras palavras, valorizando as vogais, o intérprete anula os estímulos somáticos produzidos pelos ataques das consoantes e induz o corpo do ouvinte ao repouso necessário para que ele (o ouvinte) possa introjetar a mensagem da canção.
Maysa é uma grande intérprete deste tipo de canção. É difícil ouvi-la e não ficar extático (e estasiado) diante da mensagem que ela canta. Cantora do período pré-aspirina, ou seja, quando sentir e demonstrar dor fazia parte do show, Maysa, a bem dizer, punha o coração na voz.
A singela "Dindi", de Tom Jobim, Aloysio de Oliveira e Ray Gilbert, foi gravada no disco Voltei (1959). A canção apresenta um sujeito que não tem certeza de quase absolutamente nada: nem do movimento das nuvens, das folhas, das águas. Só há uma certeza: o desejo de permanecer junto do outro (amado), que é tão belo que nem sequer existe.
O sujeito começa com um "plano aberto": desenha a paisagem ao redor, inventa seu cenário, para depois dizer de si, através do desejo pelo outro. Aliás, o sujeito é puro desejo. Ele, ao mesmo tempo, é ninguém e é o canto, a sereia, da enigmática personagem Dindi, que, por sua vez, dá ao sujeito o mote para a vida.
Maysa vai fundo na interpretação passional: arrebenta a fossa do sujeito abandonado no seu desconforto pela não consumação do amor. Dindi, que não existe para além do campo de desejo do sujeito, está no canto do sujeito, é o canto. Perder Dindi é perde o motor de cantar a vida.
"Dindi" é o canto do medo da perda. A circularidade do uso do vocativo "Dindi" faz o ouvinte se embriagar (no canto de um bar qualquer) junto com o ouvinte e amar, e sofrer, junto.

***

Dindi
(Antonio Carlos Jobim / Aloysio de Oliveira / Ray Gilbert)

Céu, tão grande é o céu
E bandos de nuvens que passam ligeiras
Prá onde elas vão
Ah, eu não sei, não sei
E o vento que fala nas folhas
Contando as histórias
Que são de ninguém
Mas que são minhas
E de você também

Ah, Dindi
Se soubesses do bem que eu te quero
O mundo seria, Dindi, tudo, Dindi
Lindo Dindi

Ah, Dindi
Se um dia você for embora me leva contigo, Dindi
Fica, Dindi, olha Dindi

E as águas deste rio aonde vão eu não sei
A minha vida inteira esperei, esperei
Por você, Dindi
Que é a coisa mais linda que existe
Você não existe, Dindi
Olha, Dindi
Adivinha, Dindi
Deixa, Dindi
Que eu te adore, Dindi

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