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13 dezembro 2010

347. Eu sou favela

O problema da tal "cidade (maravilhosa) partida" não é novo. Lima Barreto, entre outros, já apontava as consequências da demolição dos cortiços no Centro do Rio de Janeiro: afinal, o que poderiam fazer os despejados senão ocupar os morros ali por perto? Aliado a isso, o completo descaso com os ex-escravos e seus descendentes também é algo evidente. Resultado: a divisão da cidade começou a si configurar de fato.
O povo do asfalto, protegido pelo Estado, passou a se blindar contra as investidas do povo do morro: estes sempre servindo apenas como subalternos. E ainda hoje, tantos anos depois do jovem Noel Rosa iniciar, talvez inconscientemente, um projeto de fusão, através da canção (sempre a arte!), do morro com o asfalto, apontando as belezas desta mistura, podemos sentir as perversidades da genealógica divisão do Rio.
Analisar a questão da favela não passa pelo apontar de mocinhos e bandidos, muito pelo contrário. Mas, como canta o sujeito de "Eu sou favela", de Noca da Portela e Sergio Mosca, "a favela é um problema social": da ordem da divisão justa de riquezas. Mas qual é o sentido de justiça em um país em que "pobres são como podres"?
O sujeito de "Eu sou favela", assumindo para si (em si) a voz de sua gente, complexifica a discussão entre "ser marginal" e "ser marginalizado". Aprendemos que "marginal" e "marginalizado" são adjetivos que se complementam, que se fundem. O sujeito-favela vem dizer que não: "Minha gente é trabalhadeira e nunca teve assistência social", ou seja, é marginalizada.
O canto da favela, tão bem mediada pela voz de Seu Jorge (negro multitalentoso que rompe com o pensamento purista e conservador da distinção "branco é branco, preto é preto" - "e todos sabem como se tratam os pretos"), chama à atenção, principalmente o povo do asfalto, de que o marginal pode ser e estar em todo lugar: ser marginalizado não implica em ser marginal.
A voz que fala em "Eu sou favela" (Cru, 2004) é a mesma voz que fala em "Eu sou o samba": a voz do morro querendo mostrar seu valor. E ela quer perguntar: O Brasil é "quem vê do Vidigal o mar e as ilhas, ou quem das ilhas vê o Vidigal?", como canta o sujeito de "A cara do Brasil", de Celso Viáfora e vicente Barreto".
Afirmar "eu sou favela" é demonstrar a alegria das coisas que são; é se impor, ou melhor, é se igualar; é assumir a história, mas é também vislumbrar mudanças no presente para o futuro melhor; é chamar atenção para o perverso direito "a um salário de fome e uma vida normal".
Afinal: "A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão, balé. A gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer".

***

Eu sou favela
(Noca da Portela / Sergio Mosca)

A Favela nunca foi reduto de marginal
A Favela nunca foi reduto de marginal
Ela só tem gente humilde, marginalizada
E essa verdade não sai no jornal

A Favela é um problema social
A Favela é um problema social

Sim, mas eu sou Favela
E posso falar de cadeira
Minha gente é trabalhadeira
E nunca teve assistência social

É mais só vive lá,
Porque para o pobre não tem outro jeito
Apenas só tem o direito
A um salário de fome e uma vida normal

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