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16 julho 2010

197. Já sei namorar

No final de 2002 um antimovimento agitou a canção brasileira. O tribalismo de Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte chegou no pilar da construção da canção, mostrando (literalmente, pois há um vídeo, que se sugere caseiro) o processo de feitura das canções.
O projeto Tribalistas, portanto, brinca com a pulsão voyeur do ouvinte de canção popular: indicia e responde ao crescente interesse pelos bastidores da arte. Aliás, os versos "não tenho paciência pra televisão, eu não sou audiência para a solidão" não deixam de ser (auto)irônicos já que o projeto foi lançado em canal aberto de TV, em horário bastante tarde da noite. Ou seja, embalou a solidão de muito telespectador (ouvinte, voyeur, fã, insone).
"Já sei namorar" é o canto do sujeito posto no mundo: cheio de si (de autoafirmações) e de certezas daquilo que quer: ser feliz. Se quando a gente está contente nem pensa que está contente, e nem pensar a gente quer, o sujeito de "Já sei namorar" afirma isso ao cantar/dizer que não tem juiz. Sem pecado e sem juízo ele quer aproveitar a existência.
A canção começa com a afirmação-título a fim de não deixar dúvidas: o sujeito já sabe namorar e está disposto a curtir todo o mundo. Ele fixa sua atenção do presente (os verbos estão no presente) nas possibilidades que a vida lhe oferece: Menino menina não venha grudar não, avisa. O desapego é a regra. Nada do stress das relações românticas, com suas pressões e cobranças. O amor, para o sujeito, "é amor pletora".
Adolescente (com todas as implicações do termo), o sujeito quer o outro ao seu modo: como ninguém, como Deus quiser, como se quer: livre. Ele, ao final, não se difere dos outros (que desejam um desejo), apenas tem a coragem (eis o pulo do gato na cama elástica das relações) de afirmar o desejo. A atitude POP de incorporar tudo. Mas aponta, de viés, a fragilidade das relações, que se desintegram no próximo momento.
Como não poderia deixar de ser, "Já sei namorar" foi o sucesso estrondoso do carnaval seguinte. Tempo da inversão dos costumes morais, o carnaval facilita (permite) o extravasamento dos desejos comumente reprimidos (recalcados) pela imposição social.
A canção virou hino da liberdade das vontades, que tem o carnaval como símbolo. Mas, como todo carnaval tem seu fim, o sujeito de "Já sei namorar" sente que algo está minando: resta-lhe sonhar.

***

Já sei namorar
(Arnaldo Antunes / Carlinhos Brown / Marisa Monte)

Já sei namorar
Já sei beijar de língua
Agora, só me resta sonhar
Já sei onde ir
já sei onde ficar
Agora, só me falta sair

Não tenho paciência pra televisão
Eu não sou audiência para a solidão

Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo
E todo mundo me quer bem
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo
E todo mundo é meu também

Já sei namorar
Já sei chutar a bola
Agora, só me falta ganhar
Não tenho juiz
Se você quer a vida em jogo
Eu quero é ser feliz

Não tenho paciência pra televisão
Eu não sou audiência para a solidão

Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo
E todo mundo me quer bem
Eu sou de ninguém
Eu sou de todo mundo
E todo mundo é meu também

Tô te querendo como ninguém
Tô te querendo como Deus quiser
Tô te querendo como eu te quero
Tô te querendo como se quer

Um comentário:

marcenga disse...

blog interessantíssimo! estou seguindo!