"Os livros não são sinceros" e "é mais inteligente o livro ou a sabedoria?" são versos (de Carlinhos Brown e Marisa Monte, respectivamente) que evoluem dentro da perspectiva que questiona o poder grafocêntrico (da escrita) para a conservação e transmissão de conhecimento.
Ou seja, o que a vida (empírica/real) ensina seria mais radicalmente promotor de modificações (para melhor viver) no sujeito, do que aquilo que se aprende com os livros: a atividade empírica versus a atividade intelectual.
Seja como for, a dicotomia livro/sabedoria (com a valorização do saber simples, comum e desautomatizado), como se um imprescindisse o outro, de fato, merece um olhar mais verticalizado.
Por hora, importa pensar o sujeito de "Como nossos pais", de Belchior, como alguém que reitera a relação simpliscidade/sabedoria/verdade, ao negar a fala sobre o que aprendeu nos discos e valorizar o que viveu e aconteceu com ele (o sujeito). Ele fecha o livro (tapa os ouvidos) e vai para rua viver.
Ele recusa a ficção e investe na verdade (na vida). Começa com uma negação - não aos discos e sim aos fatos empíricos - para afirmar seu canto. Afinal, para ele, a voz foi feita para abraçar e beijar. Há um desejo explícito de roçar a vida pela corporeidade/fisicalidade: a ferida viva é mais sincera.
A voz de Elis Regina (na antológica gravação para o disco Falso brilhante, 1976) entra antes do acompanhamento melódico. Quase no susto, o sujeito arrebata o ouvinte apontando que será a fala o foco da mensagem a ser transmitida.
A simpliscidade (iconizada pela viola que acompanhará a voz de Elis), representante do sertão (do interior, portanto), de onde o sujeito parece ter vindo, questiona a erudição (a cidade). A viola (algo) caipira do início dá espaço à guitarra: mas as duas precisam viver juntas.
O sujeito vai ficar na cidade, mas deseja manter traços trazidos do outro lugar. Migrante, ele fica porque sente (vindo no vento) a chegada de boas novas: o novo sempre vem, embora o passado (sempre presente) impeça (ou tente impedir) o futuro. A acomodação naquilo que já se tem como certo é melhor do que as incertezas da novidade.
O livro e o disco (tentativas de registros dos acontecimentos e de organização do pensamento) não dão conta de mostrar a verdade do sujeito. Daí a negação inicial. Ao cantar (e registrar isso, através da escuta do outro) ele reúne significantes que se perderiam com o tempo. Ele se encanta (se apaixona) por uma nova invenção: contar como viveu e o que aconteceu consigo.
Ficção (sonho) e real (viver) se justapõem. Com o canto sendo menor do que a vida de qualquer pessoa, e o sujeito querendo contar a sua vida, ele cria um megacanto, com poucas repetições, sem dar conta da vida (ferida viva). Ele finda por aceitar o seu "engajamento fracassado".
Ele se dá conta de que "somos os mesmos e vivemos como nossos pais". Os gestos de ruptura fracassam. Mas no canto a voz é o abraço que acolhe e protege, pois eterniza os irmãos. O real é incapturável. Os livros e os discos pinçam fragmentos: registram o que, se ficasse apenas no vocal, seria perdido.
Seja como for, a dicotomia livro/sabedoria (com a valorização do saber simples, comum e desautomatizado), como se um imprescindisse o outro, de fato, merece um olhar mais verticalizado.
Por hora, importa pensar o sujeito de "Como nossos pais", de Belchior, como alguém que reitera a relação simpliscidade/sabedoria/verdade, ao negar a fala sobre o que aprendeu nos discos e valorizar o que viveu e aconteceu com ele (o sujeito). Ele fecha o livro (tapa os ouvidos) e vai para rua viver.
Ele recusa a ficção e investe na verdade (na vida). Começa com uma negação - não aos discos e sim aos fatos empíricos - para afirmar seu canto. Afinal, para ele, a voz foi feita para abraçar e beijar. Há um desejo explícito de roçar a vida pela corporeidade/fisicalidade: a ferida viva é mais sincera.
A voz de Elis Regina (na antológica gravação para o disco Falso brilhante, 1976) entra antes do acompanhamento melódico. Quase no susto, o sujeito arrebata o ouvinte apontando que será a fala o foco da mensagem a ser transmitida.
A simpliscidade (iconizada pela viola que acompanhará a voz de Elis), representante do sertão (do interior, portanto), de onde o sujeito parece ter vindo, questiona a erudição (a cidade). A viola (algo) caipira do início dá espaço à guitarra: mas as duas precisam viver juntas.
O sujeito vai ficar na cidade, mas deseja manter traços trazidos do outro lugar. Migrante, ele fica porque sente (vindo no vento) a chegada de boas novas: o novo sempre vem, embora o passado (sempre presente) impeça (ou tente impedir) o futuro. A acomodação naquilo que já se tem como certo é melhor do que as incertezas da novidade.
O livro e o disco (tentativas de registros dos acontecimentos e de organização do pensamento) não dão conta de mostrar a verdade do sujeito. Daí a negação inicial. Ao cantar (e registrar isso, através da escuta do outro) ele reúne significantes que se perderiam com o tempo. Ele se encanta (se apaixona) por uma nova invenção: contar como viveu e o que aconteceu consigo.
Ficção (sonho) e real (viver) se justapõem. Com o canto sendo menor do que a vida de qualquer pessoa, e o sujeito querendo contar a sua vida, ele cria um megacanto, com poucas repetições, sem dar conta da vida (ferida viva). Ele finda por aceitar o seu "engajamento fracassado".
Ele se dá conta de que "somos os mesmos e vivemos como nossos pais". Os gestos de ruptura fracassam. Mas no canto a voz é o abraço que acolhe e protege, pois eterniza os irmãos. O real é incapturável. Os livros e os discos pinçam fragmentos: registram o que, se ficasse apenas no vocal, seria perdido.
***
Como nossos pais
(Belchior)
Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar
Como eu vivi
E tudo o que
Aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens
Para abraçar meu irmão
E beijar minha menina
Na rua
É que se fez o meu lábio
O seu braço
E a minha voz
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantado
Como uma nova invenção
Vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pr'o sertão
Pois vejo vir vindo no vento
O cheiro da nova estação
E eu sinto tudo
Na ferida viva
Do meu coração
Já faz tempo
E eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
As aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu estou por fora
Ou então
Que eu estou enganando
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem
E hoje eu sei
Eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando seus metais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
(Belchior)
Não quero lhe falar
Meu grande amor
Das coisas que aprendi
Nos discos
Quero lhe contar
Como eu vivi
E tudo o que
Aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar
E eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem
Há perigo na esquina
Eles venceram e o sinal
Está fechado prá nós
Que somos jovens
Para abraçar meu irmão
E beijar minha menina
Na rua
É que se fez o meu lábio
O seu braço
E a minha voz
Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantado
Como uma nova invenção
Vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pr'o sertão
Pois vejo vir vindo no vento
O cheiro da nova estação
E eu sinto tudo
Na ferida viva
Do meu coração
Já faz tempo
E eu vi você na rua
Cabelo ao vento
Gente jovem reunida
Na parede da memória
Esta lembrança
É o quadro que dói mais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Ainda somos os mesmos
E vivemos
Como os nossos pais
Nossos ídolos
Ainda são os mesmos
E as aparências
As aparências
Não enganam não
Você diz que depois deles
Não apareceu mais ninguém
Você pode até dizer
Que eu estou por fora
Ou então
Que eu estou enganando
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem
E hoje eu sei
Eu sei
Que quem me deu a idéia
De uma nova consciência
E juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando seus metais
Minha dor é perceber
Que apesar de termos
Feito tudo, tudo, tudo
Tudo o que fizemos
Ainda somos
Os mesmos e vivemos
Como os nossos pais
2 comentários:
que maravilha acordar ouvindo essa musíca!!
adoro á Elis Regina, e essa letra é demais
Esta letra é tão boa que merecia outras leituras,aprofundando esse "engajamento fracassado",que simboliza o sonho de toda uma geração que queria mudar o mundo e se frustrarão,e até pequenas mudanças na letra feita pela elis,como "seus metais" pra vil metal,radicalizando uma postura comum na época de crticar o consumismo e etc.
Postar um comentário