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13 julho 2010

194. Folhas secas

Em "Folhas secas" (Todas as coisas e eu, 2003) Gal Costa empresta sua voz à memória afetiva de um sujeito que, visionário, pensa no momento em que o tempo (tambor de todos os ritmos) avisará que o sujeito não pode mais cantar.
A canção de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, de viés, resgata nossa tradição sonora, pois presta digna homenagem àqueles cancionistas que saem de cena: seja pela imposição mercadológica, seja pela força do tempo (compositor de destinos).
A imagem desenhada na letra - de alguém (o eu da canção) pisando em folhas secas, caídas de uma mangueira, que lhe remete ao fulgor da sua Estação Primeira - apresenta o tempo (tão inventivo) que corre: o sujeito está no outono (folhas caindo); pensando na primavera (mocidade e vigor da Estação Primeira) e no verão (sempre o sol lhe queimando); e vislumbrando o inverno (o silêncio de sua voz ao lado do violão companheiro).
A idade (maturidade) do sujeito e a perspectiva do tempo (senhor tão bonito) se misturam para cantar o canto que se movimento para o silêncio.
O arranjo de Eduardo Solto Netto investe na cadência lenta e compassada, diferente do que deve ter sido a vida do sujeito, quando subia o morro e cantava com os poetas da sua escola. A voz de Gal auxilia na construção da imagem do sujeito grávido de saudade, mas que ainda tem voz para cantar.
A repetição melancólica de Gal para o verso "e assim vou me acabando", que indica o fim da canção "Folhas secas", simboliza também o fim do canto do sujeito: o fechamento de um ciclo de vida e, quiçá, a entrada do sujeito na memória afetiva dos ouvintes.
Muito se fala da falta de memória do brasileiro. De fato, basta, sem muito esforço, um olhar retrospectivo para perceber o quanto de importantes e decisivas figuras de nossa história estão esquecidas, mal guardadas nos livros de história. "Folhas secas" aponta isso ao mostrar que o tempo é contínuo: nosso passado é o que somos no presente. Se o presente é incapturável e o futuro é inexistente, como diria o sábio Tom Zé: "Tudo só se acha no passado".

***

Folhas secas
(Nelson Cavaquinho / Guilherme de Brito)

Quando eu piso em folhas secas
Caídas de uma mangueira
Penso na minha escola
E nos poetas da minha Estação Primeira
Não sei quanta vezes
Subi o morro cantando
Sempre o sol me queimando
E assim vou me acabando

Quando o tempo avisar
que eu não posso mas cantar
sei que vou sentir saudade
ao lado do meu violão
da minha mocidade

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Muito interessante suas referências intertextuais com "oração ao tempo" de caetano veloso.Eu nem sabia que essa música tinha passado pela voz de gal.