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21 novembro 2010

325. Azulão

Como falar de um país que, apesar do progresso vazio e da nesga de intolerância, é de todas as raças, sexos, culturas e credos? Como dar conta de contar o Brasil? Eis a tarefa difícil e estimulante que Inezita Barroso tomou para si ao gravar um disco chamado Vamos falar de Brasil em 1958.
Aliás, falando em tolerância, em tempos de perseguições fundamentalistas, lembro-me das palavras de José Saramago: "Tolerar a existência do outro e permitir que ele seja diferente ainda é muito pouco. Quando se tolera, apenas se concede, e essa não é uma relação de igualdade, mas de superioridade de um sobre o outro. Deveríamos criar uma relação entre as pessoas, da qual estivessem excluídas a tolerância e a intolerância."
Voltando a Inezita. A intenção da cantora era abrir o leque da pluralidade cultural brasileira, mirando nas culturas rurais, interioranas, não urbanas, tão negadas pelas mídias de massa. Cabe apontar que estamos falando de um período pré canção de protesto, mas já consciente e crítica. Faço aqui uso da expressão "canção crítica" tal e qual Santuza Cambraia Naves defende no livro Canção Popular no Brasil.
Inezita quis com esse disco, o que aliás é um gesto típico desta artista, tirar a pecha de exótico que cobre as belezas da nossa diversidade cultural: afirmar tais belezas e iluminá-las sem vergonha, muito pelo contrário, com felicidade.
Entre as doze canções do disco, destacamos a melancólica "Azulão", de Jayme Ovale e Manuel Bandeira. Nela o sujeito consciente-de-si (do nada existência que somos fora do conto alheio) roga ao pássaro que leve à amada ingrata a mensagem de tristeza e abandono.
"Somos contos contando contos, nada", diz Ricardo Reis em um de seus poemas - "Resumo. O sujeito da canção pede ao azulão (pássaro que canta para aliviar a dor) que conte à ingrata sobre o nada (o sertão que não é mais o mesmo) instalada.
Contar o outro é cantar, é dar-lhe sentido existencial, é pô-lo no mundo, situá-lo. Através do canto do azulão, o sujeito quer, reconquistando a amada que partiu, restituir-se à vida.

***

Azulão
(Jayme Ovale / Manuel Bandeira)

Azulão, azulão companheiro, vai
Vai ver minha ingrata
Diz que sem ela o sertão não é mais sertão
Ah! Voa azulão
Vai contar companheiro
Vai azulão, azulão...

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