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03 novembro 2010

307. As rosas não falam

Reza a história que Cartola, homem de curta formação acadêmica, bebeu na poesia dos poetas Castro Alves, Gonçalves Dias e Olavo Bilac, entre outros, para construir seu arcabouço inspirador.
Seja como for, interpretadas de Carmen Miranda e Elizete Cardoso a Cazuza e Ney Matogrosso, as canções de Cartola se caracterizam tanto pela beleza melódica, quanto pela poética atravessada pelo desenho do amor romântico; do sujeito que sofre e não tem pudor ao cantar a dor.
Amigo de Carlos Canhaça, Angenor de Oliveira fez da boemia seu mote e do apelido uma persona que entrou para a história da canção popular. Da "zona do meretrício" extraiu as sutilezas que dão a contradição da existência.
"As rosas não falam" (Cartola II, 1976) é uma pérola que mostra bem a habilidade do cancionista: primeiro porque é daquelas canções que comentam a si mesma; e segundo porque a mensagem, de tão simples e singela, tem forte impacto emotivo: pétala por pétala, podemos sentir o abandono do sujeito no mar do sentimento.
Ao dizer que as rosas não falam, o sujeito da canção, que, por ventura, poderia ter seu canto preterido pela beleza das rosas, persuade o outro a lhe ouvir: ouvir o canto de amor. Enquanto as rosas apenas exalam o perfume que roubam do outro, ele, sujeito da canção, que prefere a beleza da mulher amada à beleza das rosas, compõe o canto de esperança no afeto.
A declaração alcança seu objetivo - fisgar o outro, fazê-lo voltar - no momento em que, com o fim do verão, percebe a possibilidade de ocupar o lugar visual (auditivo e táctil) das rosas com seu canto. Se as rosas não falam, e todo indivíduo precisa da fala alheia para se individualizar no mundo, o sujeito fala - canta - o outro: dá orientação e identificação à vida.
Óbvio está que, ao cantar o outro, o sujeito sabe que está acalentando os ais que sai de si. O entrelugar aberto pelo término do verão, que faz o coração bater outra vez, amplia a capacidade de conjunção entre os amantes, pois elimina as pseudo confidentes: as rosas.
Ao se dar conta de sua competência como cantor, o sujeito direciona sua narrativa (e lamúria) para seu objeto de desejo, na expectativa da correspondência. O outro "vê" os olhos tristonhos do sujeito e ouve sua queixa: o coração dispara - "e, quem sabe, sonhavas meus sonhos por fim".

***
As rosas não falam
(Cartola)

Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão,
Enfim

Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim

Queixo-me às rosas,
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim

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