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12 novembro 2010

316. Chiquita bacana

A Martinica, ilha do tempo e espaço paradisíaco, é condensação das delícias tropicais: flores, sol e mar. É também o lugar favorável de onde sopram o ventos do aproveitamento da vida: o gesto de transar todas "sem perder o tom", com liberdade individual.
O Existencialismo, que restitui ao indivíduo a subjetividade e a responsabilidade sobre as próprias ações, tenta libertar o ser na medida em que torna o indivíduo mestre de si.
Martinica e Existencialismo se cruzam na deliciosa marchinha "Chiquita bacana", de João de Barro e Alberto Ribeiro. Os dois motes servem para plasmar a liberdade que o carnaval proporciona.
No carnaval - "luxúria e fantasia, sonho e felicidade" -, com a suspensão da vigilância religiosa (da dicotomia Deus Senhor e humano servo), o indivíduo pode ser o que quiser: dá-se ao luxo de ser dono de si.
O corpo, sem vestido ou calção, sem lenço, sem documento, entra a serviço da alegria: da curtição da vida e das delícias que ela nos dá de graça. Para Henri-Pierre Jeudy, no livro O corpo como objeto de arte: "o corpo, como poder infinito dos possíveis, não tem necessidade de se submeter à regra do especular; sua aventura consiste justamente em quebrar o espelho ou passar para o outro lado".
Ao melhor modo da canção "Épico", de Caetano Veloso, que diz "destino eu faço não peço, tenho direito ao avesso", a Chiquita Bacana personifica a potência libertária do Existencialismo, que, segundo a marchinha sugere, é melhor interpretado e vivido (dá crias) no litoral tropical.
Aliás, se pensarmos que "não existe pecado do lado de baixo do Equador", por exemplo, entendemos a voz que canta em "A filha da Chiquita Bacana", também de Caetano Veloso (criador e cria da Tropicália): que não cai em armadilha e distribui bananas com os animais.
Voltando à marchinha "Chiquita Bacana", o canto daquela que entrou para "women's liberation front", temos um sujeito que observa a personagem: admira sua competência diante da vida; a prioridade dada à existência, sem os grilos (culpas, pecados e juízos) que teimam em querer achar a essência das coisas.
A Chiquita Bacana é aquela que experimenta a vida por outras e novas perspectivas: "só faz o que manda o seu coração". Interessante perceber a recepção feita pelos compositores, na canção, das perspectivas comportamentais em expansão na época. Assim, a Chiquita, que é bacana, é a carnavalização tropical, brasileira, do pensamento de Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Boris Vian, entre outros pensadores do Existencialismo.
Gravada com a brejeirice de Emilinha Borba (Emília no país dos sucessos, 1960), a canção de 1948 ganha contornos satíricos e afetados importantes à sua fruição: tenciona a festa da existência; o gosto de provar as oferendas da vida: o verão e o sal da terra.

***

Chiquita bacana
(João de Barro / Alberto Ribeiro)

Chiquita bacana lá da Martinica
Se veste com uma casca de banana nanica

Não usa vestido, não usa calção
Inverno pra ela é pleno verão
Existencialista com toda razão
Só faz o que manda o seu coração

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