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31 outubro 2010

304. Metamorfose ambulante

No livro O que é poesia?, organizado por Edson Cruz, 45 importantes poetas ensaiam respondeu à simples e complexa pergunta título. Cada um, prenhe de suas experiências íntimas com a palavra, dá uma resposta singular. Porém, há algo que atravessa todas as respostas: a dificuldade (e fracasso) da definição.
Sendo a poesia uma metamorfose ambulante, móvel na (e através da) competência do poeta, a poesia escapa ao conceito estanque, pois nenhum deles daria conta de sua complexidade e abrangência.
Assim sendo, podemos pensar que o sujeito da canção "Metamorfose ambulante", de Raul Seixas (Krig-ha, bandolo, 1973), assume, em si, na sua constituição humana demasiada humana, a mobilidade, a porosidade, a impertinência e o incômodo contra a vida e a morte, e etc e tal da poesia.
O sujeito de "Metamorfose ambulante", uma canção tão urbana, é a poesia que balança: ele assume o perigo e sangra sozinho, na vã tentativa de trazer o outro (a vida) para si e, de viés, para o fruidor da poesia: nós, seus ouvintes.
Ouvir a poesia, a metamorfose ambulante, é também se incomodar: é assumir a não eficiência das palavras (e das canções) na contenção (tradução) dos momentos, mas, por isso mesmo, não parar de contar e cantar verdades estéticas: as únicas verdades possíveis.
Ser poesia é não ter "aquela velha opinião formada sobre tudo"; é cantar à vida louca vida a sua "eterna falta [e excesso] do que falar", como Cazuza cantou certa vez. Ser poesia é dizer e desdizer; é deslizar (suspender) certezas, na construção permanente e urgente das necessárias e iluminadoras ficções: que nos mantem vivos.
O ser e o amor, matérias primas da poesia ao longo dos tempos, em "Metamorfose ambulante", dançam; não se definem (nem podem fazê-lo); assumem os opostos e os meios de si: sim, não e talvez que lhes atravessam.
Ator, o sujeito da canção, investe naquilo que lhe supre, no instante exato para durar: inventa palcos, cenários, falas e cantos; põe e tira as máscaras que melhor lhe servir ao desejo de vida: daquilo que consiga penetrar na pele e fazê-lo sangrar, sozinho.

***

Metamorfose ambulante
(Raul Seixas)

Prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Eu quero dizer
Agora, o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor

Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator

É chato chegar
A um objetivo num instante
Eu quero viver
Nessa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Sobre o que é o amor
Sobre o que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela
Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor

Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator

Eu vou lhe desdizer
Aquilo tudo que eu lhe disse antes
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Um comentário:

Caco disse...

Leonardo, acompanho seu blog mas acho que nunca cheguei a comentar.

Bem legal sua ideia... 365 canções.

E essa música do Raul é linda, uma das minhas preferidas.

Eu também não gosto de rótulos, de definições, mas entendo que é uma necessecidade do ser humano, de dar nome às coisas. O importante é a gente não abrir mão da originalidade pra tentar se encaixar num padrão.