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22 outubro 2010

295. Ai de ti, Copacabana

"Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite". Este trecho da crônica "Ai de ti, Copacabana", de Rubem Braga, destila o veneno-remédio de um lugar que, mais que um bairro da zona sul carioca, atravessou o tempo como núcleo duro (síntese) da imagética Rio de Janeiro, quiçá Brasil.
Com seus belos prédios de arquitetura Art Deco, em Copacabana convivem as velhinhas de cabelos tingidos de violeta e as meninas que ganham a vida com o corpo: não há contrários, há complementariedades. As ruas sujas e o desgaste do crescimento desordenado, que indicam o descaso, abrigam o luxo (a mística irredutível) daquilo que acontece nos contornos da praia-musa.
Chama-la princesa, como sugere a crônica de Rubem, nubla a visão do lado que quer permanecer escondido, porque feio e mais aparente. É daí, da síntese Brasil, que Alceu Valença, inspirado pela crônica, abre a voz que tenta abalar as entranhas do bairro-abrigo.
A canção "Ai de ti, Copacabana", de Alceu Valença, é canto agônico (de dor e de paixão); é embolada maliciosa que contem o tempo da princesa. Edificações e mar, línguas negras de esgoto e peixinhos, compõem a paisagem da (sempre em estado de juízo final) Copacabana.
Com um Leme a lhe guia, a princesa, epíteto dado ao lugar por João de Barro e Alberto Ribeiro, na canção "Copacabana", segue impávida: entocando o caos e compondo sua beleza. o sujeito da canção, com dó e com distância, obedecendo à lei do verão, canta essa tensão que dá tesão aos poetas, como ele, e àqueles que enchem as veias da musa.
Do disco Na embolada do tempo, 2004, "Ai de ti, Copacabana" chama atenção por imprimir a canção que é feita em diálogo, no caso, com a literatura, borrando os limites de cada linguagem; especulando a interpenetração das coisas; e desenhando melhor a personagem: Copacabana - condensação do óleo requentado com o paetê.
A canção, assim como a crônica, canta o estado de beira do abismo ("o tempo das tainhas") onde Copacabana se localiza: "ai de ti", teu juízo final, quando "os pequenos peixes que habitam os aquários de vidro serão libertados para todo o número de suas gerações".
Crônica e canção querem agravar a demência de Copacabana: dos fariseus que rezam nos templos, jogam flores para Iemanjá, na fã vontade de cobrir a multidão de pecados. É hora de fogo e água consumi-la.
O sujeito da canção, que quer ser a última canção, apaixonado pela musa, ameniza a agonia com uma melodia gostosa: mergulha no sonho absurdo da musa-sereia e a convida para bailar em seu (sempre) derradeiro instante.
Não podemos deixar de apontar também o diálogo com a própria canção: mais precisamente com "Ai de mim, Copacabana", de Caetano Veloso e Torquato Neto. Mas esta é outra história.

***

Ai de ti, Copacabana
(Alceu Valença)

Eu te procuro
No Leblon, Copacabana
Vejo velas de umbanda
Um buquê jogado ao mar
Um marinheiro, estrangeiro, desumano
Deixou seu amor chorando querendo se afogar
No mar
Oh, oh, no mar
Eu te procuro nos lençóis da minha cama
Ai de ti, Copacabana, será duro o teu penar
Pelo pecado de esconderes quem me ama
Ai de ti, Copacabana, será submersa ao mar
No mar
Oh, oh, no mar
O riacho navega pro rio
E o rio desagua no mar
Pororoca faz um desafio
No encontro do rio com o mar
No mar
Oh, oh, no mar
Então mergulho no meu sonho absurdo
Entre carros, conchas, búzios
Entre os peixinhos do mar
Lembro Caymmi, Rubem Braga, João de Barro
E sigo no itinerário da princesinha do mar
No mar
Oh, oh, no mar

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