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11 outubro 2010

284. Há mulheres

Rita Ribeiro põe na gira versos, sons e ritmos vindos de diferentes referências, da cidade e do interior. Ela traduz na voz exuberante e na forte presença de palco o canto híbrido (cool e popular) do Brasil.
Rita Ribeiro é daqueles artistas que tem na inquietação o motor de sua arte. Incomodada, pela vida, mas de uma felicidade (de viver) contagiante, Rita Ribeiro traz a vida na voz: por ser feliz, por sofrer, por esperar, como todo indivíduo solto no redemoinho.
Essa voz é sempre emprestada a sujeitos poéticos que intensificam a potência, toda brasileira, de respeito e de convivência pacífica entre os diversos signos culturais de nosso povo: aqui, diferente do modelo norte americano de segregação que, vira e mexe, tentam importar, "jesus de nazaré e os tambores do candomblé" fazem juntos a pajelança que dá sustento existencial à nossa gente.
Penso nisso enquanto ouço Rita cantar "Há mulheres", de Vânia Borges, guardada no disco Pérolas aos povos (1999). A voz da cantora, anexada àquilo que é dito pela letra, emula a voz dos poetas clássicos, quando estes evocavam as musas da poesia para compor; ao mesmo tempo em que parece, ao figurativizar as mulheres que se pintam de caulim para o deus louvar, a voz de uma seguidora, fiel e combalida, de alguma ciranda sagrada do interior do mundo.
A voz e o canto disparam, assim, para dentro e para fora: ou melhor, ao olhar, à distância, as mulheres da Costa do Marfim, o sujeito roga as musas que lhe dê inspiração, reconhecendo os invisíveis, mas indestrutíveis, fios que ligam as diferentes culturas e etnias: que animam o mundo, do qual o Brasil sempre foi símbolo e exemplo de convergência. Sem falar na inquestionável relação África-Brasil.
A prosódia (sempre absurdamente nítida e em equilíbrio com as notas musicais) de Rita Ribeiro merece destaque, principalmente quando pronuncia "marfim". Há uma nítida e significativa separação silábica que intenciona desenhar o "mar" como "fim": mar das sereias, dos seres encantadores de gente. Mas também o mar que possibilitou a mistura brasileira: "Zabé come Zumbi, Zumbi come Zabé" e "a íris do olho de Deus tem muitos arcos".
Seja como for, esta sugestão de mergulho no mar encantado e encantador, das musas da inspiração de vida, é adensada pelo coro que acompanha o canto de Rita Ribeiro e pelo efeito onírico imposto no arranjo melódico. O transe, sobre o qual Rita Ribeiro, enquanto cantora, tem total domínio, e, por isso, permite ao sujeito da canção espiralar-se até a queda do céu sobre si, é o tempo e o espaço da manifestação da canção: anúncio da alegria.
"Há mulheres" é, ainda, canto de evocação e de devoção à musa da inspiração: a lua - musa dos poetas e dos cantores, dos boêmios e dos andarilhos. Casa de Jorge Oxóssi, a lua derrama sua chuva de prata sobre o sujeito que lhe roga energia para continuar cantando: mantendo-se vivo, na vida. Ao final, o prazer é o motor da luz.

***

Há mulheres
(Vânia Borges)

Há mulheres que se pintam de caulim
na costa do marfim
para o deus louvar
Eu também me pinto para o luar, em mim,
a prata derramar

Oh! Musa da inspiração!
Oh! Musa da inspiração!
Oh! Musa da inspiração!
Caia sobre mim este céu sem fim

3 comentários:

Maritza Elena Enriquez Licón disse...

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Salete Maria disse...

Simplesmente demais o seu blog. Amo música, amo poesia, amo Rita Ribeiro! Amor cordel porque sou cordelista também..

Anônimo disse...

Macumba