A mistura das linguagens artísticas parece ser fator decisivo por aqui. Desde o tempo em que recebíamos tardiamente, devido à, ainda, complicada e demorada mobilidade das coisas, as tendências e influências estrangeiras, nossa cultura (ou culturas) foi se formando na sobreposição de fragmentos e resíduos: hibridação do local com o global.
Por aqui, a classificação dos períodos artísticos serve apenas como recurso didático: os limites (início e fim), de um e outro, é borrado pela postura do "tudo junto e misturado" que nos caracteriza.
Claro que, quando surge um "novo" movimento, o primeiro gesto é o de negar os anteriores, para, assim, afirmar o "novo": tentativa frustrada dentro do nosso "tudo novo, de novo". Para dar um exemplo, a revolução estética que a Bossa Nova engendrou não apagou o gosto da "massa", afastada dos centros econômicos, que continuou ouvindo e curtindo o virtuosismo vocal.
Mas, voltando a questão da mistura das linguagens, tendência afirmada e reafirmada pela Tropicália, movimento que ultrapassou os fronteiras, já nubladas, da canção, promovendo o fluxo e o refluxo entre as manifestações artísticas, a Blitz tem papel fundamental.
As performances da Blitz unia o rock solar, com letras despojadas e algo nonsense, ao teatro e à uma dicção que afirma a fala coloquial dentro da canção, estabelecendo um diálogo direto com quem curte a canção. Além da arte gráfica da banda estar bem próxima das revistas em quadrinhos, como Rodrigo Rodrigues aponta no livro As aventuras da Blitz.
Mas é mesmo na contrapartida cênica que a Blitz impôs sua presença. Havia um debunde que afirmava um tipo de canção que queria ser recebida pelo "corpo todo". As apresentações da Blitz eram happenings, no sentido que esta palavra tem de ato para ser vivido, experimentado, ao vivo: "acidente", no sentido de existência sem causa; "manifestação soberana do livre-arbítrio", na definição de Pierre Restany, no livro Os novos realistas.
O recurso de "montar" dentro da canção "A dois passos do paraíso", de Evandro Mesquita e Ricardo Barreto, uma estação de rádio, que lê uma carta com as queixas amorosas e os pedidos sonoros de uma ouvinte ("Mariposa Apaixonada de Guadalupe") é puro exemplo disso: da ficcionalização de uma realidade que existe como um todo.
A voz inconfundível de Evandro Mesquita lendo a tal carta, no disco que, não à toa, tem o nome de Rádio atividade (1983), em timbre empostado, caricatura do "locutor clássico", enquanto o coro das meninas (Fernanda Abreu e Marcia Bulcão) cantam e suspiram ao fundo, sugere uma canção que tematiza o próprio fazer cancional: as médias da execução da canção.
"A dois passos do paraíso" é metacanção na medida em que cita, literalmente, outra canção "Não quero ver você triste", de Erasmo e Roberto Carlos, sucesso na voz deste último, em 1965, no disco Roberto Carlos canta para a juventude. Eis a canção pedida pela ouvinte da rádio que "espera ver aquele caminhão voltando, de faróis baixos e pára-choque duro", com seu Arlindo Orlando.
A intenção de recuperar o romantismo juvenil, malicioso e brejeiro, de uma época da delicadeza, é comovente: amplia as utopias de liberdade que a Blitz afirmava: a suspensão do tempo em favor da alegria, do prazer.
Longe do seu amor, o sujeito da canção, cantor que está na estrada, trabalhando, só pode chegar à amada através da canção, das ondas do rádio: mais um procedimento metacancional da canção: a rádio (o programa da séria série "Dedique uma canção a quem você ama") dentro da canção "A dois passos do paraíso", e vice-versa: em uma feliz brincadeira com as instâncias da arte vocal.
Claro que, quando surge um "novo" movimento, o primeiro gesto é o de negar os anteriores, para, assim, afirmar o "novo": tentativa frustrada dentro do nosso "tudo novo, de novo". Para dar um exemplo, a revolução estética que a Bossa Nova engendrou não apagou o gosto da "massa", afastada dos centros econômicos, que continuou ouvindo e curtindo o virtuosismo vocal.
Mas, voltando a questão da mistura das linguagens, tendência afirmada e reafirmada pela Tropicália, movimento que ultrapassou os fronteiras, já nubladas, da canção, promovendo o fluxo e o refluxo entre as manifestações artísticas, a Blitz tem papel fundamental.
As performances da Blitz unia o rock solar, com letras despojadas e algo nonsense, ao teatro e à uma dicção que afirma a fala coloquial dentro da canção, estabelecendo um diálogo direto com quem curte a canção. Além da arte gráfica da banda estar bem próxima das revistas em quadrinhos, como Rodrigo Rodrigues aponta no livro As aventuras da Blitz.
Mas é mesmo na contrapartida cênica que a Blitz impôs sua presença. Havia um debunde que afirmava um tipo de canção que queria ser recebida pelo "corpo todo". As apresentações da Blitz eram happenings, no sentido que esta palavra tem de ato para ser vivido, experimentado, ao vivo: "acidente", no sentido de existência sem causa; "manifestação soberana do livre-arbítrio", na definição de Pierre Restany, no livro Os novos realistas.
O recurso de "montar" dentro da canção "A dois passos do paraíso", de Evandro Mesquita e Ricardo Barreto, uma estação de rádio, que lê uma carta com as queixas amorosas e os pedidos sonoros de uma ouvinte ("Mariposa Apaixonada de Guadalupe") é puro exemplo disso: da ficcionalização de uma realidade que existe como um todo.
A voz inconfundível de Evandro Mesquita lendo a tal carta, no disco que, não à toa, tem o nome de Rádio atividade (1983), em timbre empostado, caricatura do "locutor clássico", enquanto o coro das meninas (Fernanda Abreu e Marcia Bulcão) cantam e suspiram ao fundo, sugere uma canção que tematiza o próprio fazer cancional: as médias da execução da canção.
"A dois passos do paraíso" é metacanção na medida em que cita, literalmente, outra canção "Não quero ver você triste", de Erasmo e Roberto Carlos, sucesso na voz deste último, em 1965, no disco Roberto Carlos canta para a juventude. Eis a canção pedida pela ouvinte da rádio que "espera ver aquele caminhão voltando, de faróis baixos e pára-choque duro", com seu Arlindo Orlando.
A intenção de recuperar o romantismo juvenil, malicioso e brejeiro, de uma época da delicadeza, é comovente: amplia as utopias de liberdade que a Blitz afirmava: a suspensão do tempo em favor da alegria, do prazer.
Longe do seu amor, o sujeito da canção, cantor que está na estrada, trabalhando, só pode chegar à amada através da canção, das ondas do rádio: mais um procedimento metacancional da canção: a rádio (o programa da séria série "Dedique uma canção a quem você ama") dentro da canção "A dois passos do paraíso", e vice-versa: em uma feliz brincadeira com as instâncias da arte vocal.
***
A dois passos do paraíso
(Evandro Mesquita / Ricardo Barreto)
Longe de casa
Há mais de uma semana
Milhas e milhas distante
Do meu amor
Será que ela está me esperando
Eu fico aqui sonhando
Voando alto perto do céu
Eu saio de noite andando sozinho
Eu vou entrando em qualquer barra
Eu faço meu caminho
O rádio toca uma canção
Que me faz lembrar você, eu
Eu fico louco de emoção
E já não sei o que vou fazer
Estou a dois passos do paraíso
Não sei se vou voltar
Estou a dois passos do paraíso
Talvez eu fique, eu fique por lá
Estou a dois passos do paraíso
Não sei porque que eu fui dizer bye bye
Bye bye, baby, bye bye
-A Rádio Atividade leva até vocês
Mais um programa da séria série
"Dedique uma canção a quem você ama"
Eu tenho aqui em minhas mãos uma carta
Uma carta d'uma ouvinte que nos escreve
E assina com o singelo pseudônimo de
"Mariposa Apaixonada de Guadalupe"
Ela nos conta que no dia que seria
O dia do dia mais feliz de sua vida
Arlindo Orlando, seu noivo
Um caminhoneiro conhecido da pequena e
Pacata cidade de Miracema do Norte
Fugiu, desapareceu, escafedeu-se
Oh! Arlindo Orlando volte
Onde quer que você se encontre
Volte para o seio de sua amada
Ela espera ver aquele caminhão voltando
De faróis baixos e pára-choque duro
Agora uma canção canta pra mim
Eu não quero ver você triste assim
Estou a dois passos do paraíso
E meu amor vou te buscar
Estou a dois passos do paraíso
E nunca mais vou te deixar
Estou a dois passos do paraíso
Não sei porque eu fui dizer bye bye
(Evandro Mesquita / Ricardo Barreto)
Longe de casa
Há mais de uma semana
Milhas e milhas distante
Do meu amor
Será que ela está me esperando
Eu fico aqui sonhando
Voando alto perto do céu
Eu saio de noite andando sozinho
Eu vou entrando em qualquer barra
Eu faço meu caminho
O rádio toca uma canção
Que me faz lembrar você, eu
Eu fico louco de emoção
E já não sei o que vou fazer
Estou a dois passos do paraíso
Não sei se vou voltar
Estou a dois passos do paraíso
Talvez eu fique, eu fique por lá
Estou a dois passos do paraíso
Não sei porque que eu fui dizer bye bye
Bye bye, baby, bye bye
-A Rádio Atividade leva até vocês
Mais um programa da séria série
"Dedique uma canção a quem você ama"
Eu tenho aqui em minhas mãos uma carta
Uma carta d'uma ouvinte que nos escreve
E assina com o singelo pseudônimo de
"Mariposa Apaixonada de Guadalupe"
Ela nos conta que no dia que seria
O dia do dia mais feliz de sua vida
Arlindo Orlando, seu noivo
Um caminhoneiro conhecido da pequena e
Pacata cidade de Miracema do Norte
Fugiu, desapareceu, escafedeu-se
Oh! Arlindo Orlando volte
Onde quer que você se encontre
Volte para o seio de sua amada
Ela espera ver aquele caminhão voltando
De faróis baixos e pára-choque duro
Agora uma canção canta pra mim
Eu não quero ver você triste assim
Estou a dois passos do paraíso
E meu amor vou te buscar
Estou a dois passos do paraíso
E nunca mais vou te deixar
Estou a dois passos do paraíso
Não sei porque eu fui dizer bye bye
4 comentários:
Muito bacana sua leitura da nossa música.
Obrigado.
Enquanto houver bambu tem flecha!
Boa.
caí no blog em 2019... excelente trabalho! obrigada por isso!
Infelizmente ele se envolve em um acidente... e não sabe se vai voltar p amada ou vai entrar no paraíso...
Postar um comentário