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06 outubro 2010

279. Chuva, suor e cerveja

Simone tem papel importante na afirmação do feminino. Suas capas (para lá de) sensuais exploravam ideias e desejos e implodiam os limites do canto e faziam a canção arranhar outros sentidos, além da audição.
Sua interpretação para "Jura secreta", "Começar de novo" e "Iolanda", por exemplo, são definitivas e boas. Com a paixão na medida certa e no lugar exato: na voz. Estas canções, entre outras, sublinharam momentos importantes e decisivos da história de nossa canção.
Dito isso, podemos perguntar: por que Simone repete o equívoco de gravar "Chuva, suor e cerveja", de Caetano Veloso, com arranjo e entoação lenta e arrastada? Se no disco Quatro paredes (1974), temos um arranjo meio bossa nova e fossa, Em boa companhia (2010), disco de bom repertório, há uma coisa híbrida, quase capela, que mas parece uma canção de realejo. Tudo muito distante da mensagem, mesmo tendo suprimido a última parte da letra.
Importa lembrar que em Quatro paredes, há a gravação de "Qui nem jiló", também carregadas de tintas passionais. Porém, se em "Qui nem jiló" podemos dizer, com esforço, que houve um investimento na figurativização da saudade cantada na letra, no caso de "Chuva, suor e cerveja" não há justificativa visível, para o tom escolhido.
"Chuva, suor e cerveja", pelo próprio título da canção, remete a algo que extravasa a pele: está além dos limites da norma; afeta pela embriaguez e pelo destempero. Não cabe entre quatro paredes, está nas ruas apertadas e cheias de foliões. É frevo, é folia e é festa, não há espaço para a introspecção.
O sujeito está perdido, mas agarrado ao destinatário da canção, no meio da orgia carnavalesca: banhado de chuva, suor e cerveja. O tempo é o do destempero, da suspensão de regras, da possibilidade de sentir a vida pelo corpo todo.
O suposto receio de perder o outro de vista, no meio da multidão, é charme do sujeito, pois ele sabe que a chuva, que lava os sentidos (destrava os olhos) e despe a alma, ajuda os dois (libertados do peso de ser) a se verem mais e melhor.
O sujeito não quer, mesmo no carnaval (tempo e espaço utópico da liberdade concedida pela igreja), sair do lado do outro. Tudo aqui é líquido, até a fantasia de pierrot está molhada, menos a certeza (fixa) de permanecer junto: desejo de curtir o melhor da vida embalados e embolados: unidos e sem dia seguinte.

***

Chuva, suor e cerveja
(Caetano Veloso)

Não se perca de mim
Não se esqueça de mim
Não desapareça
Que a chuva tá caindo
E quando a chuva começa
Eu acabo perdendo a cabeça

Não saia do meu lado
Segure o meu pierrot molhado
E vamos embolar ladeira abaixo
Acho que a chuva a gente a se ver
Venha veja deixa beija seja
O que Deus quiser

A gente se embala se embola se embola
Só pára na porta da igreja
A gente se olha se beija se molha
De chuva suor e cerveja

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Nunca ouvi tal gravação,mas tenho certeza que Simone não nasceu prá cantar essa música,apesar dela ser uma grande cantora,aliás grande em todos os sentidos.