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15 setembro 2010

258. Fullgás

Para Carlos Eduardo dos Santos

"Fullgás", mais uma, das muitas e boas, parceria dos irmãos Antonio Cícero e Marina Lima, é o canto do sujeito que reconhece a necessidade do outro para ser: é pela presença do outro (canção: música e letra) que o sujeito tem seu mundo feito.
Sendo a vida empírica uma imitação da vida ideal - ficção, portanto - somos atravessados, em nossa individuação, pelos olhares e vozes alheias. Transformamo-nos em outros, na medida em que as exigências cobram.
Precisamos, desde o ventre materno, de alguém que nos cante e nos dê individualidade. O sujeito da "Fullgás" assume, e canta, isso. Afinal ele encontrou alguém que lhe cante. E, melhor, além da narrativa e da melodia, necessárias, oferece dança: juntos (o sujeito e seu cantor) ficam odara - nada de mal lhes alcança.
Tudo, no outro ("o meu sim"), é fullgás e concreto (lança mundos no mundo) e funciona como suporte estético e filosófico para a movimentação do sujeito, que canta, na existência, dual: ao cantar (criar uma vida) para o sujeito, o outro monta uma esfera protetora (livre do mal) para os dois.
Gravada no disco Fullgás (1984), a canção afirma a dependência que vai de um para o outro. "Eu não sou eu, nem sou o outro. Sou qualquer coisa de intermédio", diz os versos de Mário de Sá-Carneiro. Tendo o outro, o sujeito de "Fullgás" tem o "corpo fechado": os dois criam o intermédio (a terceira margem) preciso para se manterem vivos: vestidos com as roupas e as armas de Jorge.
Sem o outro, não há o "eu": "noites de frio e um mundo estranho pra me segurar", canta o sujeito na terrível possibilidade de "não ter" o outro. O sujeito está onde estiver a voz do outro: lá onde o canto dá vida.
A voz quente (manhosa e segura) de Marina dá o tom da sensualidade que a relação das personagens perde. Juntos (com um completando o outro), eles sabem por fogo no Brasil e fazer um país, só deles. O sujeito de "Fullgás" está bem certo: nada é igual a ele e seu duplo.

***

Fullgás
(Marina Lima / Antonio Cícero)

Meu mundo você é quem faz
Música, letra e dança
Tudo em você é fullgás
Tudo você é quem lança
Lança mais e mais

Só vou te contar um segredo
Não nada
Nada de mal nos alcança
Pois tendo você meu brinquedo
Nada machuca, nem cansa

Então venha me dizer
O que será
Da minha vida
Sem você

Noites de frio
Dia não há
E um mundo estranho
Pra me segurar
Então onde quer que você vá
É lá, que eu vou estar
Amor esperto
Tão bom te amar

E tudo de lindo que eu faço
Vem com você, vem feliz
Você me abre seus braços
E a gente faz um país

Um comentário:

Jardel Barros disse...

Eu adoro essa canção! Ficou muito bacana o ensaio!

PS: Só pra complementar: Fullgás = full gas ("cheio de gás", em Inglês) ou fugaz (efêmero).