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24 setembro 2010

267. Todo azul do amor

O sujeito de "Todo azul do mar", de Flávio Venturini e Ronaldo Bastos, canta a maravilha de se sentir mirado pelos olhos que ele próprio mira. Ele vê e é visto pelo outro: sereia, tal e qual a sereia do mar, que lhe canta a vida, ao lhe dá vida, pela reciprocidade: identificação subjetiva.
Ver o mar (com suas possibilidades e mistérios) é comparado, na canção, à beleza de se ver refletido nos olhos de quem amamos: a certeza do sentimento correspondido, pela atenção alheia, faz o sujeito entoar um canto terno. Tentativa feliz de desenhar (e mostrar) sua mais completa tradução da felicidade.
Guardada no disco A idade da Luz (1983), do grupo 14 bis, "Todo azul do mar" tenta mostrar a sutileza do momento da descoberta do amor. Para tanto, evoca a noção de distração ("se você não se distrai, o amor não chega", como Zélia Duncan canta), portanto, rejeita a ideia de fissura e de busca; e a noção de envolvimento involuntário ("tudo era apenas uma brincadeira e foi crescendo", como Peninha canta).
Ou seja, o amor é algo que acontece sem a intervenção do sujeito: que, de repente, se percebe enredado no canto do amor, e da sereia do mar. Daí a metáfora do amor como "todo azul do mar": condensação figurativa que situa o sujeito no mundo (olhar do outro) ao mesmo tempo em que ele se perde nas águas da paixão. E é tão bom que o sujeito nem tenta fugir.
Amar é deixar se envolver pelo canto da sereia. O sujeito sabe disso e canta e fisga o destinatário da mensagem e, de viés, o ouvinte. Ao mergulhar no azul do mar, (in)seguro de que aquilo era amor, o sujeito deixa escapar a sua vulnerabilidade. Afinal, ele, pelo corpo todo, se deixou invadir pelo som do amor, no reino das sereias: que matam e dão vida.
O resultado, que não poderia ser outro, é a vassalagem erótico-amorosa: ele escravo do amor. Mas, malandramente, ele sabe também que, ao retribuir ao amor com o canto, vira dono do mar azul. Ora, só existe, de fato, aquilo que é cantado. O azul do mar é azul, e é do mar, porque temos alguém que registra isso e, portanto, se torna dono (autor: assina) daquilo que canta.
Ao confessa o amor, cantando, o sujeito inscreve sua vida e a vida que existe no fundo do mar: só vista por quem mergulha: por quem se permite amar.

***

Todo azul do mar
(Flávio Venturini / Ronaldo Bastos)

Foi assim
Como ver o mar
A primeira vez
Que meus olhos
Se viram no seu olhar

Não tive a intenção
De me apaixonar
Mera distração e já era
Momento de se gostar

Quando eu dei por mim
Nem tentei fugir
Do visgo que me prendeu
Dentro do seu olhar

Quando eu mergulhei
No azul do mar
Sabia que era amor
E vinha pra ficar

Daria pra pintar
Todo azul do céu
Dava pra encher o universo
Da vida que eu quis pra mim

Tudo que eu fiz
Foi me confessar
Escravo do seu amor
Livre pra amar

Quando eu mergulhei
Fundo nesse olhar
Fui dono do mar azul
De todo azul do mar

Foi assim como ver o mar
Foi a primeira vez que eu vi o mar
Onda azul, todo azul do mar
Daria pra beber todo azul do mar
Foi quando mergulhei no azul do mar
Onda que vem azul, todo azul do mar

Um comentário:

ademar amancio disse...

esta gravação é linda,pena que esse grupo me parece que desapareceu do mundo.