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19 setembro 2010

262. Imitação da vida

Marya Bravo é cantriz: sua presença e voz enriqueceram os musicais, "Cauby! Cauby!", "Beatles num céu de diamantes", "7: o musical" e "Oui...Oui... A França é aqui", entre outros. Pois é, a garotinha do famoso comercial da Cremogema - sim, aquele do “cre cremo cremo cremogema” - se transformou nesta mulher de voz avassaladora.
O disco Água demais por ti (2009) é forte, pela pegada rock e pela potência da voz de Marya, mas não tem medo de assumir as fragilidades humanas: ciúmes, dores de cotovelo e mágoas. De fato, Marya Bravo é uma garota má: a generosidade com que oferece seu dom – (trans)piração – de cantar, arrasta o ouvinte à afirmação da vida através da música: respirações, silêncios, manejos, alturas e posições do som.
Ela leva para a canção a experiência dramática dos musicais de que participa, imprime certa tragicidade (sofrer e prazer) que entontece, perturba e diz sim: dobra o ouvinte para dentro e para fora de si. Sua voz é sua vida (real) e se torna, de viés, por um tempo, enquanto dura a audição, o show, nossa vida (mais real).
Sua interpretação para a canônica "Imitação da vida", de Batatinha, é lindeza pura: cada nota é meticulosamente sentida, penetra e faz eco. Imitar a vida, encontrar a personagem certa para cada apelo do mundo, é tarefa cansativa. A música, como Nietzsche apontou, ameniza e sugere sentidos à vida.
Imitar a vida é afirmar (e assumir) suas dores e delícias; é perceber o quanto de ficção há naquilo que tomamos como verdade; é saber que as mágoas tem sua função. Imitar a vida é a única possibilidade de existência do indivíduo: única maneira de roçar o real, criação humana.
O som de uma vassourinha, que varre as cinzas no fim de festa, quando o indivíduo se vê diante de si, na introdução dessa "Imitação da vida", sublinha o desejo do sujeito da canção: driblar a solidão e ter um relacionamento saudável com o ritmo universal: compor uma solução para o irremediável.
Enquanto espera por alguém que parece que não vai chegar, o sujeito canta e pede que a vida venha lhe amar. Sem medo, ele expõe suas fraquezas - conta sua história tropical: banhada por água demais (lágrima, suor e saliva). O sujeito sabe que precisa entender os mecanismos da vida, a fim de artificializar (montar) sua vida: sem ilusão, desenhar (despertar) uma identidade para si.
Marya Bravo sabe, sua voz lhe denuncia, que a única verdade possível é a verdade estética, sobre a qual Marya Bravo é dona e diva.

***

Imitação da vida
(Batatinha)

Ninguém sabe quem sou eu
Também já não sei quem sou
Eu bem sei que o sofrimento
De mim até se cansou

Na imitação da vida
Ninguém vai me superar
Pois sorrio da tristeza
Se não acerto chorar

Mesmo assim eu vou passando
Vou sofrendo e vou sonhando
Até quando despertar

Dona solução, reveja meu caso com atenção
A esperança que é forte
Mora no meu coração

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