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23 junho 2010

174. Felicidade

O verão de 1974 rendeu um antológico disco, gravado ao vivo no Teatro Vila Velha (Bahia): Temporada de verão. Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso se reuniram e, com repertório iluminado, cantaram a multiplicidade (sintomática) sonora do Brasil.
Entre arranjos que ainda conservam e pulsão tropicalista (que, de fato, tornou-se um gesto revelador do país para sempre) surge "Felicidade", de Lupicínio Rodrigues. Aliás, seria interessante investigar porque as interpretações de "Felicidade" sempre suprimem duas estrofes da letra. Penso que o motivo seja o regionalismo (e referências biográficas, por que não?) compreendido naqueles versos.
A interpretação de Caetano Veloso investe na ausência da felicidade (que foi se embora). Ou seja, com entoação lenta (passional) e acompanhado (ao fundo) pela melodia de "Luar do sertão", de Catulo da Paixão Cearense (que supre a ausência das duas estrofes da letra), Caetano figurativiza a imagem do sujeito triste, distante da felicidade - só alcançada através do canto.
Um tanto diferente, mesmo em tom menor, a versão de Antonio Villeroy (José, 2010) tenta investir naquilo que está atrás do muro - a casa, esquecendo de que quem fala (canta) é o sujeito que está aqui (próximo do ouvinte) lamentando a não-felicidade. O sujeito gosta "lá de fora", mas está aqui dentro: afastado da felicidade, portanto.
Compositor de significativos sucessos na voz de Ana Carolina, José Antonio Franco Villeroy, cancionista atento, basta ouvir o disco José por completo, ilumina a felicidade (sempre sinônima da não-falsidade: da verdade) presentificada pelo canto do sujeito.
A canção (o canto) começa arrastada (a linha da melodia está muita próxima da voz), adensando o que é dito (a saudade que mora no peito) e vai acelerando (crescendo) para despertar a alegria através canto. O sujeito sozinho (e triste) se aquece ao cantar: vai em um segundo para sua casa.
A referência a Caetano Veloso, feita aqui no início, não é mero comparativismo tolo, já que o José (título do disco e, por que não, sujeito de "Felicidade") de Villeroy guarda profunda semelhança com o José da canção homônima de Caetano: "Estou no fundo do poço, meu grito lixa o céu seco". Embora o sujeito de Villeroy consiga vislumbrar raios de luz (no canto que, progressivamente, se alegra), enquanto o sujeito de Veloso espera "só consigo e mal consigo, no umbigo do deserto".

***

Felicidade
(Lupicínio Rodrigues)

Felicidade foi se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

Lá na cidade tem muita mulher bonita
Que usa vestido sem cinta e tem na boca um coração
la na cidade se ve tanta falsidade
Que a mulher faz sacanagem até mesmo na pensão.

Felicidade foi se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

A minha casa fica lá detrás do mundo
Onde eu vou em um segundo quando começo a pensar
O pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa quando começo a pensar

Felicidade foi se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

Lá onde eu moro tem um cavalo tordilho
Que é irmão do que é filho daquele que o juca tem
Quando eu pego seus arreios e lhe encilho
Sou pior que limpa-trilho corro na frente do trem.

Felicidade foi se embora
E a saudade no meu peito ainda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque sei que a falsidade não vigora

2 comentários:

Diana disse...

Lembra de mim? Lembra de um cantor que eu falei? Bem, a entrevista tá no ar e vale a pena conferir, nem que seja só pra baixar o Ep dele. Depois o que achou ^^

http://varalfult.blogspot.com/2010/06/entrevista-com-filipe-catto.html

ADEMAR AMANCIO disse...

Tem uma versão dessa música na voz de Rita lee,que é luxo só.