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24 junho 2010

175. Ai que saudade de ocê

Quem não já tenteou sofrido o ar que é saudade? Feliz expressão de Riobaldo (de Grande sertão: Veredas), a pergunta aponta que "ter saudade" é sinônimo de "ter vivido". Afinal, "toda saudade é uma espécie de velhice".
"Saudade até que é bom, é melhor que caminhar vazio" ("Sonhos", Peninha). De fato, sendo a saudade a presença (transcendental) de algo, ou alguém, ausente (materialmente), ela aperta os parafusos de um instante passado, vivido (corporalmente) e, na maioria das vezes, bom.
Deste modo, a saudade tem relação íntima com a memória, com as lembranças (boas ou ruins) daquilo que nos constitui enquanto sujeitos. Muito embora saibamos que, sendo um reservatório da identidade, a memória não é segura: está sempre nos "traindo".
É claro que há, como Riobaldo nos lembra, as saudades das ideias. Saudades fluidas, sem possibilidade de verbalização (se é que a saudade pode ser dita), intrínsecas e constitutivas de nosso ser e estar no mundo.
"Ai que saudade de ocê", de Vital Farias, tematiza a saudade do outro, de alguém distante. Alguém que não deve se admirar ao ser beijado pelo beija-flor, pois isso seria muito natural já que este outro é a flor objeto de desejo do sujeito que canta: cuja sina é trabalhar: "todo artista tem que ir aonde o povo está", apesar de ter o coração (a saudade) fincado em algum lugar: "eu gosto mesmo é de ocê".
Canção de exílio às avessas, o sujeito da canção de Vital Farias não é aquele que quer "voltar para o seu lugar e ouvir o canto do sabiá". Enquanto ouvintes, não sabemos quem é ele, nem quem é o destinatário da mensagem, muito menos suas localizações espaciais, já que o sujeito se remete à estrada: não há um porto. Sabemos sim que, como o beija-flor não canta, ele tem sua atuação na cena amorosa adensada e multiplicada pelo canto do sujeito da canção.
Elba Ramalho (Coração brasileiro, 1983), como uma vênus nossa, singulariza a mensagem, o canto, a flor, consolando com sua voz o outro distante, mas, principalmente, acarinhando o sujeito que canta, matando o desejo da presença de corpo. Além de pedir um retorno: carta, palavras ao vento que registram a permanência do sentimento, apesar da distância.
Elba, pássara nordestina de coração brasileiro, tem o dom de esquentar as noites frias de junho, inverno dos corações distantes de suas terras: seja pela imposição das condições financeiras (o trabalho), como parece ser o caso do sujeito da canção, seja pelas trapaças da sorte que a vida nos impõe.

***

Ai que saudade de ocê
(Vital Farias)

Não se admire se um dia
Um beija-flor invadir
A porta da tua casa
Te der um beijo e partir
Fui eu que mandei o beijo
Que é pra matar meu desejo
Faz tempos que não te vejo
Ai que saudade de ocê

Se um dia ocê se lembrar
Escreva uma carta pra mim
Bote logo no correio
Com frases dizendo assim:
“Faz tempo que eu não te vejo
Quero matar meu desejo
Te mando um monte de beijo
Ai que saudade sem fim”

E se quiser recordar
Aquele nosso namoro

Quando eu ia viajar
Você caia no choro

Eu chorando pela estrada
Mas, o que eu posso fazer?
Trabalhar é minha sina
Eu gosto mesmo é de ocê

2 comentários:

Mauri Catermol disse...

Eu adorei a postagem "Ai que saudade de ocê"! "Não se admire se um dia um beija-flor..."
♪ Música maravilhosa!

Anônimo disse...

TAMBÉM GOSTEI MUITO. NÃO CONHECIA O BLOG E ADOREI!!!