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04 junho 2010

155. Pelo engarrafamento

Depois de ter feito um disco genuinamente eletrônico (ritmo - conseguido pelo aparato tecnológico e/ou pela sonoridade das palavras) - Samba pra burro (1998) -, Otto apresenta uma obra (algo) amaneirada, em que os batuques primitivos (tribais) - trazidos nos porões da escravidão - se unem ao que há de mais novo em recursos eletrônicos a favor da canção: CondomBlack (2001).
Condom Black instaura uma restituição (revalorização e preservação) da batucada (iconizada pela presença de um toca ogan nas faixas) dentro da música eletrônica. Ambas tem a mesma raíz: a pulsão de vida e morte.
O disco aponta que as cantigas (cirandas de roda, principalmente), básicas na constituição de nossa canção, podem e devem conviver com o moderno (contemporâneo). E Otto "malabariza" os recursos disponíveis hoje com o que há de mais "antigo", enquanto referência para a formação dos ritmos brasileiros. Uma autêntica mistura pós-tropicalista.
Neste processo, o olhar estrangeiro não é descartado, pelo contrário, é este olhar que distanciado (empiricamente) dos fatos dolorosos da escravidão consegue perceber a "potência afirmativa" (e a semelhança) entre o batuque e a música eletrônica, em que o ritmo (universal e que impulsiona - movimenta - o sujeito) é a meta. O branco que pinta a cara de preto.
O pop-rock "Pelo engarrafamento", de Otto, tem letra direta tratando da circularidade dos acontecimentos cotidianos. O sujeito agitado e sempre em movimento pelas cobranças da existência tem, no engarrafamento, um momento de pausa. É no meio do caos de uma rua, de uma grande cidade, que o sujeito percebe (vê) o mundo ao seu redor (sente seu compasso, sua respiração).
Carros, trens e voos livres surgem para sugerir as fugas do sujeito aprisionado (nas paredes do quarto). Afinal, basta fechar os olhos e viajar; basta fechar os olhos e flutuar (sem grilos) sobre o engarrafamento que congestiona (entope) as artérias deste deserto de almas: o mundo.

***

Pelo engarrafamento (Otto)

Pelo engarrafamento eu vejo o mundo
Cheio de pessoas e sinais
Muitos não enxergo, se atropelam
São lançados contra o muro
Outros sentem sede, bebem
Atropelam muito mais
Já estive num acidente, capotei
Parei num canavial
Trens são colocados a serviços
Trem não tem mais
Fecho os olhos sinto
As paredes do meu quarto
Sinto seu compasso
Sinto sua respiração
Não diga que fui eu que voei
Não diga que fui eu que voei

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