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02 junho 2010

153. Palavras não falam

Peixes pássaros pessoas (2009) é um disco comovente. Seja pela beleza da voz sofisticada (e a serviço do simples) de Mariana Aydar, seja, exatamente, pelas sutilezas do trabalho sobre temas comuns, cotidianos.
Dentre os sambas que compõem o disco, "Palavras não falam" (Kavita) canta o momento da criação; canta a aproximação do compositor com a página em branco; e canta a angústia de não conseguir a palavra exata, aquela que imprime o desejo. Até porque as palavras são sempre insuficientes para expressar sentimentos e vontades. Mas a canção canta também a epifania do sujeito.
O texto da canção espalha (pela página em branco e no ouvido do ouvinte) a palavra "palavra". Ou seja, na impossibilidade de conseguir fixar uma palavra que satisfaça a algo que lhe devora, o sujeito aponta os limites das palavras, usando a língua contra ela mesma.
Fica claro que a voz tranquila de Mariana, por vezes, quer se exasperar. Afinal, o que ela canta "são só palavras (ao vento)" e ela quer mais, quer algo impronunciável, ou, que as palavras não conseguem dar conta.
O sujeito investe na melodia relaxadamente segura, para contrabalançar o tormento que lhe afeta, muito embora o andamento (marcado por arranjos de cordas e sopros) queira voar, pois o sujeito se achou.
O sujeito sabe que não pode cantar aquilo que quer (simplesmente porque as palavras não deixam), por isso canta o seu desencanto com as palavras. Ao mesmo tempo ele "se entende" neste interdito. É no indizível, no ato de se deparar com a página (linda), que o sujeito se vê, pois o branco mostra o que ele não sabe.
"Palavras não falam" é o canto do drama do poeta e do compositor no trabalho permanente com o uso das palavras. E a ausência das palavras (neste contexto atual de tanto falatórios e razões) possibilita o silêncio: o encontro do sujeito com ele mesmo. Barato total.

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Palavras não falam (Kavita)

Eu não escrevo pra ninguém e nem pra fazer música
E nem pra preencher o branco dessa página linda
Eu me entendo escrevendo e vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco e ele me mostra o que eu não sei

E me faz ver o que não tem palavras
Por mais que eu tente, são só palavras
Por mais que eu me mate, são só palavras

Eu me entendo escrevendo e vejo tudo sem vaidade
Só tem eu e esse branco e ele me mostra o que eu não sei

E me faz ver o que não tem palavra
Por mais que eu tente, são só palavras
Por mais que eu me mate, são só palavras

Um comentário:

Simone Santos disse...

Sempre perfeito, sempre emocionante e pertinente seus posts, adorooo♥ Parabéns!!!
Aguardo a sua visita no meu blog tb e se possível algumas dicas, sou amadora, blogueira por paixão a arte, leitura e música...