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01 junho 2010

152. Volte para o seu lar

Para Edson Garcia

A percussão de Naná Vasconcelos, com uso de instrumentos que remetem o ouvinte a sons tribais, imprime vigor e magia, além de apelo político-social, à canção "Volte para o seu lar, de Arnaldo Antunes, gravada por Marisa Monte (Mais, 1991).
O ouvinte é transportado para o tempo das grandes navegações (início da globalização) e das conquistas (invasões e domínios) de novas terras. Mas também se refere ao nosso tempo de hoje, em que permanece o desejo de "civilizar" o outro. Eis nossa postura inconfessa: o outro (distante e diferente de mim) é sempre inferior e carente de educação moral e cívica.
Porém, é possível ouvir na voz que fala (por trás da voz que canta) todo a força da rejeição à "boa educação", "catequização" e "orientação" que o outro (forasteiro, ou seja, ignorante das essências, e pretenso civilizado) deseja impor ao sujeito da canção.
Aliás, a mensagem é direcionada a este outro (soberbo em sua pose dominadora). O sujeito nega isso, se contrapõe, e canta o seu próprio jeito de ser e estar (no mundo) como detentor da alegria (dor e delícia) de viver.
A grosso modo, podemos dizer que cada parte da canção remete a espaços que tendem a ser ocupados por aqueles que "dão as cartas e as coordenadas de um mundo melhor": Na primeira parte, podemos vislumbrar as periferias das grandes cidades, onde, "quando a polícia, a doença, a distância, ou alguma discussão nos separam de um irmão, sentimos que nunca acaba de caber mais dor no coração"; a segunda parte, sim, nos leva ao extermínio dos indígenas; e a parte final se refere à ideia do movimento civilizador em si, ou seja, aos barcos (navios negreiros?) que proporcionaram, por mar, as conquistas.
Digo "grosso modo", pois "Volte para o seu lar" tem tantas referências e é sucessível a tantas inferências que merece investigações mais profundas do que este espaço permite.
As três partes se contaminam em suas temáticas, adensando o caráter plural, misturado, miscigenado e híbrido do povo de um lugar: o Brasil?
"Volte para o seu lar", com sua rede complexa de significantes (lançada aos olhos e ouvidos do ouvinte) coroa e dignifica, deste modo, tribos, povos e pessoas que sustentam não só os próprios lares (onde a vida que vai à deriva é a condução), mas, também, o lar do civilizado/civilizador. Afinal, qual seria a função deste, se aqueles não existissem?

***

Volte para o seu lar (Arnaldo Antunes)

Aqui nessa casa
Ninguém quer a sua boa educação
Nos dias que tem comida
Comemos comida com a mão
E quando a polícia, a doença, a distância, ou alguma discussão
Nos separam de um irmão
Sentimos que nunca acaba
De caber mais dor no coração
Mas não choramos à toa
Não choramos à toa

Aqui nessa tribo
Ninguém quer a sua catequização
Falamos a sua língua,
Mas não entendemos o seu sermão
Nós rimos alto, bebemos e falamos palavrão
Mas não sorrimos à toa
Não sorrimos à toa

Aqui nesse barco
Ninguém quer a sua orientação
Não temos perspectivas
Mas o vento nos dá a direção
A vida que vai à deriva
É a nossa condução
Mas não seguimos à toa
Não seguimos à toa

Volte para o seu lar
Volte para lá

Volte para o seu lar
Volte para lá

3 comentários:

Entre Nous disse...

Sensacional!

Sou um amante da arte musical.Trabalho com isso.

Virei seu fã.

Um grande abraço,

Serginho Ferreira

Edson Garcia disse...

AMO Marisa, é meu sonho assisti-la ao vivo! E essa música é a que eu mais gosto do álbum 'Mais'!

E mais, foi o 1º cd que eu tive dela! Obrigadissimo!

Agradeço a dedicação, e parabenizo :)

andré disse...

Adoro esta canção, por sua letra ser atemporal, e o que mais me incomoda hoje é essa catequização diária na Tv, entre amigos(nem sempre os são), ou seja, no nosso dia a dia.Principalmente, pelos detentores da palavra de Deus(como se julgam alguns cristãos e evangélicos). OH! Gente chata!!!!
E esta música tem tudo a ver comigo,pois rio alto, bebo (pouco, mas bebo) e falo muito PALAVRÃO!
E é cantada pela minha cantora FAVORITA! VIVA MARISA!
aBÇS. SEU FÃ, aNDRÉ!