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30 outubro 2010

303. As canções que você fez pra mim

Para José Mauro Brant

O disco As canções que você fez pra mim (1993), de Maria Bethânia, é uma grande homenagem da diva à obra de Roberto Carlos. Levando-se em conta que foi Bethânia quem chamou a atenção do irmão Caetano Veloso, em pleno período de eminência tropicalista, é possível supor, de antemão, o tratamento que as canções do rei receberam aqui.
Bethânia, sempre responsável pelo repertório daquilo que canta, imprime sofisticação e vigor, sem deixar que o romantismo rasgado dos sujeitos das canções se perca. Há, e atravessa todo o disco, aquela beleza acesa por dentro, quando despertamos para o fato de que só o amor é real.
Há, no conjunto das canções escolhidas por Bethânia, uma aceitação desassossegada de tudo aquilo que o amor pode trazer e fazer, como a tal "alegria triste". O título do disco, portanto, não poderia ser outro: As canções que você fez pra mim, já que chama à atenção a sensação de que é um único sujeito que canta todas as canções: um sujeito que conta as conjunções e as disjunções amorosas e todo o processamento do amor em si: todo o sentimento que vai de si para o outro.
Deste modo, a canção "As canções que você fez pra mim", de Erasmo Carlos e Roberto Carlos, é o coroamento (a recolha) dos inúmeros significantes espalhados ao longo do disco. Temos, aqui, uma canção que é feita sobre todas as outras canções: extraindo delas o que há de mais humano e passional.
Na sua tentativa de mostrar ao outro o estado de complexa dificuldade de adaptação no mundo, longe do outro, que lhe cantava a vida (promovia a individuação), o sujeito da canção recorta e cola (ouve: em si) fragmentos e reverberações das canções que o outro lhe compôs. Só assim a vida ainda é possível; só assim ele consegue, hoje, construir um canto para si: com os caquinhos de um velho mundo, que lhe significava a existência.
A estrutura formal da canção ajuda na recepção da mensagem: as rimas em pares de versos alternados tem, a cada final de estrofe, um corte rímico e rítmico, que tem eco no acompanhamento melódico, com uma pancada mais forte de percussão indicando a fissura, o corte que o próprio sujeito enfrenta na sua existência. E o refrão, emoldurado pelos instrumentos de cordas, é o retorno do sujeito à atual realidade: "agora eu choro só sem ter você aqui" para, com sua energia (seu canto), me manter suspenso no ar.

***

As canções que você fez pra mim
(Erasmo Carlos / Roberto Carlos)

Hoje eu ouço as canções
que você fez pra mim
Não sei por que razão
tudo mudou assim
Ficaram as canções
e você não ficou

Esqueceu de tanta coisa
que um dia me falou
Tanta coisa que somente
entre nós dois ficou
Eu acho que você
já nem se lembra mais

É tão difícil
olhar o mundo e ver
o que ainda existe
Pois sem você
meu mundo é diferente
Minha alegria é triste

Quantas vezes você disse
que me amava tanto
Tantas vezes eu
enxuguei o seu pranto
E agora eu choro só
sem ter você aqui

Um comentário:

ademar amancio disse...

Não sei se maria bethânia que praticamente inventou a MPB junto com elis regina em 65,devesse gravar músicas do rei da jovem guarda,o anti-MPB,mas essa música e esse arranjo ficou muito bem em sua voz.