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05 outubro 2010

278. Sou uma criança, não entendo nada

"Sou uma criança, não entendo nada" é canção que mostra o tremendão Erasmo Carlos reconhecendo a fragilidade masculina diante da mulher: no caso, a sabedoria materna. Aliás, foi Erasmo quem cantou os versos que desmentem a ideia de que "a mulher é sexo frágil": mentira absurda!
Sem deixar que lembrar que foi neste ano que o Ramones estreou, em 1974, os tempos do hard rock, por exemplo, pareciam estar ficando para trás. Com algumas bandas se desfazendo, o indivíduo, desamparado, começava a rever sua postura: ao invés da agressão e da violência ideológicas, através do som e do ritmo, o aconchego; ao invés do coletivo, o mergulho individual em si.
Nesta perspectiva, o disco 1990 - Projeto salva terra! (1974), de Erasmo Carlos, é bastante significativo e sintomático da insustentabilidade de uma ditadura militar, com o consequente desgaste (cansaço) dos movimentos de resistência.
Guardada neste disco, que tentava desfibrilizar o mundo (os dispositivos de segurança) que teríamos na virada do século, "Sou uma criança, não entendo nada" é autocanto de sobrevivência: ao reconhecer o poder do outro, o sujeito cria um espaço seguro para si.
Ao invés do embate histórico entre as potências, o sujeito baixa a guarda, despindo-se da pretensa soberba, e canta a glória do outro. Sugere-se, aqui, o desejo de um novo modo de vida; uma nova forma de enfrentar o senhor (sem rosto e sem nome) que nos governa e sufoca.
Ficar a salvo implica, portanto, para a canção, dar o valor que a potência feminina tem. Ao comparar sua energia masculina (historicamente superior e senhora) com a energia da outra, o sujeito percebe o quanto é "criança".
Obviamente, o termo "criança", aqui, não é usado como sinônimo nietzschiano de estágio do indivíduo no mundo, mas, pelo contrário, como o período da dependência irredutível do afeto físico ou não. Criança, o sujeito precisa do amparo do outro: da mulher e seu entendimento sobre a vida.
Ao lembrar de seu passado, quando "era criança e não entendia nada", o sujeito, olhando o presente, percebe que não mudou: continua sem entender nada, criança. Mas, se antes ele zombava da mãe que lhe apontava o estado-de-si, hoje, o sujeito reconhece sua ilusão ao pensar que ser homem bastava.
Afinal, o que o mundo masculino lhe deu? Eis o mote da canção de um sujeito que, sem grilos, mas só para nós, ouvintes, reconhece a máscara que usa (é obrigado a usar) quando lhe dizem: "ele é um homem e entende tudo". Mas o que fazer se quando queremos tirar a máscara ela está apegada a cara?

***

Sou uma criança, não entendo nada
(Erasmo Carlos)

Antigamente quando eu me excedia
Ou fazia alguma coisa errada
Naturalmente minha mãe dizia:
"Ele é uma criança, não entende nada"

Por dentro eu ria
Satisfeito e mudo
Eu era um homem
E entendia tudo

Hoje só com meus problemas
Rezo muito, mas eu não me iludo
Sempre me dizem quando fico sério:
"Ele é um homem e entende tudo"

Por dentro com
A alma tarantada
Sou uma criança
Não entendo nada

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