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01 outubro 2010

274. Quase um segundo

O que fazer quando o tempo não dá conta de sentimentos e sensações que nos mantem no escuro do mundo? O sujeito da canção "Por quase um segundo", de Herbert Vianna, percebe (e canta) o fracasso (os verbos estão no passado, mesmo quando desejam o futuro) de seu investimento em se transformar naquilo que agradaria o outro.
As tentativas em estado de vigília, atravessam o sono do sujeito, nublam sua pretensa lucidez, levando-o a despertar (de sonho ruim) e cantar. Ele, cantor, não encontra as cores e as coisas que prendem o ouvinte. Eis a angústia do cancionista (e de todo amante): não conseguir captar o desejo (e a necessidade) do outro.
Sem o mote (o núcleo duro do outro), só resta ao sujeito cantar seu fracasso. A interpretação de Herbert Vianna (Bora bora, 1988) investe na voz quase estática de um indivíduo abandonado a si. Frases, aparentemente, desconexas montam o estado fragmentado do sujeito: sobreposições de prantos ditas ao telefone: no ouvido do destinatário.
Como desenhar e pintar a vida do outro (e, assim, fisgar o outro para si), sem o conhecimento das cores exatas para isso? Como inserir em seu canto (que encantaria o outro e sustentaria este na vida) as coisas urgentes ao amor?
A pergunta-refrão "será que você ainda pensa em mim" serve como recurso retórico do sujeito que lança suas palavras as vento. Ao incutir o pensar sobre o pensar, no outro, o sujeito tenta se manter vivo, no outro. E, de viés, atingir sua meta: montar uma canção (com pêlos, gosto, tudo que não deixa o sujeito em paz, afinal ele quer o combate erótico e afetivo) que figurativiza o outro.
Ele evoca a imbricada relação amor e ódio (que suspende nosso juízo diante do absurdo da vida: por quase um segundo), para falar de sua dúvida: o outro ainda pensa (no sujeito)? Ele sabe que enquanto houver o pensamento sobre si haverá vida (ou sobrevida), afinal, espelho diante de espelhos - labirinto de labirintos, somos movidos pelo embate com aquilo que vai de mim para o outro, e o oposto disso.

***
Quase um segundo
(Herbert Vianna)

Eu queria ver no escuro do mundo
Onde está o que você quer
Pra me transformar no que te agrada
No que te faça ver

Quais são as cores e as coisas
Pra te prender
Eu tive um sonho ruim e acordei chorando
Por isso te liguei

Será que você ainda pensa em mim
Será que você ainda pensa

Às vezes te odeio por quase um segundo
Depois te amo mais

Teus pêlos, teu gosto, teu rosto, tudo
Que não me deixa em paz

Quais são as cores

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