O poema "Cidade", de Augusto de Campos, como Amador Ribeiro Neto observa (no livro Chico Buarque do Brasil), é "um dos poemas mais expressivos da literatura brasileira contemporânea. (...) O primeiro verso desmembra-se em outras palavras desvelando a chuva de significados que adensa esta floresta de signos: atro/cidade; capa/cidade... (...) O universo da cidade vai se formando a partir desta fôrma única que é a gramática gerada pelo próprio poema".
Eis o poema, com as modificações gráficas necessárias à sua publicação aqui:
atrocapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimulti
pliorganiperiodiplastipublirapareciprorusti
sagasimplitenaveloveravivaunivoracidade
city
cité
Eis o poema, com as modificações gráficas necessárias à sua publicação aqui:
atrocapacaustiduplielastifeliferofugahistoriloqualubrimendimulti
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city
cité
O poema de Augusto iconiza os movimentos da cidade: o barulho, a arquitetura e a mistura (confluência) de línguas nas metrópoles. Seguindo esta linha de pressupostos, podemos pensar em um desenho do urbano enquanto imbricamentos e conexões de significantes (a princípio) díspares, porém complementares. Eles compõem a cidade tal e qual ela se apresenta.
O sujeito da canção "Música urbana 2", de Renato Russo, do disco Dois (1986) da Legião urbana, aglutina imagem na tentativa de plasmar aquilo que lhe chega aos ouvidos, atravessa seu corpo e é devolvido em forma de som: a tal música urbana: constituída pela mistura de ruídos e imagens (também ruidosas) mobilizantes.
A música urbana sacode o sujeito que habita a cidade: também ele, parte do todo-cidade. O indivíduo daí é atravessado pelas ondas das antenas de TV; pela visão da paisagem caótica do "desenvolvimento" sem planejamento; pelo barulho do trânsito, do comércio, das sirenes...; pela presença fria das tropas de choque; e etc.
Tudo ao redor grita, canta, quer falar de si: e são muitos os elementos que falam ao mesmo tempo. Misturados, eles compõem a música urbana que Renato Russo, aos berros (para se fazer ouvir sobre os demais ruídos) e acompanhado por violão (símbolo da solidão: urbana), dá vida. "Música urbana", a canção, é a condensação da música urbana natural, da paisagem sempre movediça do progresso, que tem na cidade seu modelo civilizador.
Aqui, não só os ouvidos são atingidos, mas também a visão: desde "os mendigos com esparadrapos podres" até "os cartazes, cinemas" tudo quer representar o urbano e seus desdobramentos. A imagem degradante pintada (cantada) pelo sujeito vem da certeza de que na cidade "só há música urbana": há um excesso de modernidade e de vazio.
Em seu isolamento, compartilhado com a massa populacional, o sujeito só percebe inferno e fel: e é isso que ele recolhe para compor sua canção, sua música urbana que tenta interferir, causar pane, via antenas de rádio, na engrenagem da cidade: tempo e espaço da ausência de mentiras e verdades.
A música urbana é pessimista e aterradora: não nana ninguém; não embala sonhos, ao contrário, aniquila; não acolhe, vomita. Entre estranho e receptivo, o sujeito é sempre errante; ele está à margem e no centro da questão; e "como os viciados nos bares" tenta conseguir sua própria música urbana a fim de sobreviver à cidade.
O sujeito da canção "Música urbana 2", de Renato Russo, do disco Dois (1986) da Legião urbana, aglutina imagem na tentativa de plasmar aquilo que lhe chega aos ouvidos, atravessa seu corpo e é devolvido em forma de som: a tal música urbana: constituída pela mistura de ruídos e imagens (também ruidosas) mobilizantes.
A música urbana sacode o sujeito que habita a cidade: também ele, parte do todo-cidade. O indivíduo daí é atravessado pelas ondas das antenas de TV; pela visão da paisagem caótica do "desenvolvimento" sem planejamento; pelo barulho do trânsito, do comércio, das sirenes...; pela presença fria das tropas de choque; e etc.
Tudo ao redor grita, canta, quer falar de si: e são muitos os elementos que falam ao mesmo tempo. Misturados, eles compõem a música urbana que Renato Russo, aos berros (para se fazer ouvir sobre os demais ruídos) e acompanhado por violão (símbolo da solidão: urbana), dá vida. "Música urbana", a canção, é a condensação da música urbana natural, da paisagem sempre movediça do progresso, que tem na cidade seu modelo civilizador.
Aqui, não só os ouvidos são atingidos, mas também a visão: desde "os mendigos com esparadrapos podres" até "os cartazes, cinemas" tudo quer representar o urbano e seus desdobramentos. A imagem degradante pintada (cantada) pelo sujeito vem da certeza de que na cidade "só há música urbana": há um excesso de modernidade e de vazio.
Em seu isolamento, compartilhado com a massa populacional, o sujeito só percebe inferno e fel: e é isso que ele recolhe para compor sua canção, sua música urbana que tenta interferir, causar pane, via antenas de rádio, na engrenagem da cidade: tempo e espaço da ausência de mentiras e verdades.
A música urbana é pessimista e aterradora: não nana ninguém; não embala sonhos, ao contrário, aniquila; não acolhe, vomita. Entre estranho e receptivo, o sujeito é sempre errante; ele está à margem e no centro da questão; e "como os viciados nos bares" tenta conseguir sua própria música urbana a fim de sobreviver à cidade.
***
Música urbana 2
(Renato Russo)
Em cima dos telhados as antenas de TV tocam música urbana,
Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres
Cantam música urbana,
Motocicletas querendo atenção às três da manhã:
É só música urbana
Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana
E nas escolas as crianças aprendem a repertir a música urbana
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana
O vento forte seco e sujo em cantos de concreto
Parece música urbana
E a matilha de crianças sujas no meio da rua: Música urbana
E nos pontos de ônibus estão todos ali: música urbana
Os uniformes
Os cartazes
Os cinemas
E os lares
Nas favelas
Coberturas
Quase todos os lugares
E mais uma criança nasceu
Não há mais mentiras nem verdades aqui
Só há música urbana
(Renato Russo)
Em cima dos telhados as antenas de TV tocam música urbana,
Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres
Cantam música urbana,
Motocicletas querendo atenção às três da manhã:
É só música urbana
Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana
E nas escolas as crianças aprendem a repertir a música urbana
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana
O vento forte seco e sujo em cantos de concreto
Parece música urbana
E a matilha de crianças sujas no meio da rua: Música urbana
E nos pontos de ônibus estão todos ali: música urbana
Os uniformes
Os cartazes
Os cinemas
E os lares
Nas favelas
Coberturas
Quase todos os lugares
E mais uma criança nasceu
Não há mais mentiras nem verdades aqui
Só há música urbana
2 comentários:
Descordo que Musica Urbana seja Aterrorizante e pessimista, você somente citou trechos desse tipo, não citou o final que pra mim é feliz quando ele diz "e mais uma criança nasceu", isso dá um tom de esperança, é vida, apesar de toda musica urbana o ser humano quer continuar se perpetuando. Isso se vê em muitas letras do Renato Russo que sempre fala dos podres mas no final alimenta a esperança como na música "Perfeição" do CD "O Descobrimento do Brasil". Renato Russo é um grande poeta da razão e do coração, que dera surgissem hoje nas cidades poetas como ele que fazem a diferença com sua "musica urbana".
Prezado Leandro César, em nenhum momento eu escrevi que a canção do Renato Russo é aterrorizante e pessimista. Quando usei palavras próximas a estas eu estava me referindo à música urbana de forma geral, ao sujeito imerso no caos urbano. Repito: não à canção de Renato Russo.
No mais, acho que sua leitura complementa a minha. Ambas leituras possíveis.
Concordo com o que você escreveu sobre a potência da obra de Renato Russo.
Agradeço sua visita.
Abraço.
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