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15 dezembro 2010

349. O samba é meu dom

A canção "O samba é meu dom", de Wilson das Neves e Paulo Cesar Pinheiro, parece ter sido feita para a voz de Pedro Miranda. Ainda como integrante do Grupo Semente, Pedro já mostrava as habilidades em tencionar na voz um sabor de tradição e de naturalidade (sempre) moderna inerente ao samba.
Para o sujeito da canção, o samba é instância de preservação da cultura (do boteco), mas mergulhada na certeza (e beleza) dos contatos renovadores: "Hello girl". E em Coisa com coisa (2006), Pedro reúne diferentes arcos para compor a íris do samba.
Há na voz de Pedro Miranda um desleixo intencional (próprio do sambista de bar) e uma inflexão malandra que nos remetem aos bambas que, não por acaso, são citados na letra de "O samba é meu dom": Mário Reis, Vassourinha, Ataulfo, Ismael, Jamelão, Roberto Silva, Sinhô, Gonga, Ciro, João Gilberto, Silas, Zinco, Aniceto, Anescar, Cachinê, Jaguarão, Zé Fome, Herivelto, Marçal, Mirabeau, Henricão. Todos atravessam e marcam o registro vocal de Pedro Miranda: da rua e do salão.
E acrescento Clementina de Jesus de quem, mesmo que inconsciente, Pedro recolhe seus estratos sonoros. De fato, quando se ouve Pedro Miranda pela primeira vez, sem informações prévias, a impressão que se tem é a de que estamos ouvindo uma preta velha cantado um samba no terreiro de casa; ou um crioulo com passo de bamba que sobe a ladeira cantando à vida: sem pretensões, com simplicidade: "como se o vento soprasse pela boca, vindo do pulmão", e Pedro "ficasse ao lado pra escutar o vento jogando as palavras pelo ar", como sugere o sujeito de "O compositor me disse", de Gilberto Gil.
Deste modo, tendo o samba como dom, o sujeito imbrica melancolia, saudade e vontade-de-potência: se a tristeza é senhora, a alegria é a força maior que mantem o sujeito aceso e cantando: ele canta para viver e vive para cantar. "Se o amor é um mar, sou seu marinheiro", como diz o sujeito de "Chula cortada", de Roque Ferreira.
Forte e doce, cheio de tradição, o sujeito passeia (tal qual um cordão) pelo imaginário afetivo do ouvinte atento à história do samba e da canção brasileira: joga com a memória do ouvinte. Há um clima de antigamente; de país da delicadeza e de ingenuidade comoventes.
Ao assumir que o samba é seu dom, o sujeito reconhece a tradição e se posiciona na linha evolutiva. Ele reforça o pensamento noelrosiano de que "o samba nasce do coração". Ou seja, aprende-se a bater samba (de quadra, de enredo, de roda, de breque, de partido alto, samba canção) ao compasso do coração.

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O samba é meu dom
(Wilson das Neves / Paulo Cesar Pinheiro)

O samba é meu dom
Aprendi bater samba ao compasso do meu coração
De quadra, de enredo, de roda, na palma da mão
De breque, de partido alto e o samba canção

O samba é meu dom
Aprendi dançar samba vendo samba de pé no chão
No Império Serrano a escola da minha paixão
No terreiro, na rua, no bar, gafieira e salão

O samba é meu dom
Aprendi cantar samba com quem dele fez profissão
Mário Reis, Vassourinha, Ataulfo, Ismael, Jamelão
Com Roberto Silva, Sinhô, Gonga, Ciro e João Gilberto

O samba é meu dom
Aprendi muito samba com quem sempre fez samba bom
Silas, Zinco, Aniceto, Anescar, Cachinê, Jaguarão
Zé com Fome, Herivelto, Marçal, Mirabeau, Henricão

O samba é meu dom
E no samba que eu vivo do samba que eu ganho meu pão
E é no samba que eu quero morrer de baquetas na mão
Pois quem é do samba meu nome não esquece mais não

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