Os nadas (repetidos, cabalísticamente, 13 vezes) na terceira, e derradeira, estrofe da canção "Se eu quiser falar com deus", de Gilberto Gil, apontam para o vazio deixado pela morte de deus. Desde que deus (consolo metafísico: verdade inquestionável) morreu, afinal, o indivíduo peleja para lidar com o imenso buraco (fragmentação e pulverização da verdade) deixado em seu lugar.
Não à toa, esta canção aparece no disco A gente precisa ver o luar (1981) com sua temática filosófica calcada na crença de que o tempo reserva boas (e melhores) surpresas para o indivíduo que toma consciência-de-si.
Se cada qual, hoje, pensa "deus sou eu", o sujeito da canção tenta chegar a este deus interno através da fala (do verbo) assim como o deus mitologicamente vez ao homem: soprou-lhe o verbo, dando-lhe vida. Ao cantar, portanto, o sujeito dá vida ao seu deus interior, que, por sua vez, saúda o deus interior do ouvinte, na medida em que, em ritmo de passionalização, ele se torna próximo do ouvinte e interfere na forma como este lida com sua própria divindade.
Cada "nada" cantado é salto mais profundo no abismo interior. Labirinto de espelhos: perguntas que rebatem e se refletem em outras (perguntas), sem respostas possíveis. Apenas o puro e simples, e, no entanto, revelador, exercício do pensamento: a circularidade da ilusão e do real (sempre ficcional) que sustenta a vida.
Falar com deus é se desconectar, de deus (dos apelos e convites da vida ordinária); é mergulhar mais fundo; é tentar olhar deus por trás, indiretamente; é se perder para achar, como proporia Nietzsche - aliás, como Zaratrusta sugeriu, o homem mata deus para colocar no lugar uma falta absoluta; é se esvaziar: ter a alma (a subjetividade) e o corpo nus; é fazer um bom uso dos prazeres; é, afinal, compor uma canção (de vida) para si.
A enumeração dos movimentos necessários à fala com deus se espalha pela letra e se adensa na dicção lenta e introspectiva de Gil. As três estrofes, portanto, compõem um outro deus: mais próximo (dentro) do sujeito e que dialoga com este pela vontade de também existir. Afinal, os deuses são deuses porque assim os cremos. Nossa crença é no (melhor) argumento de que algo incompreensível e, portanto, indizível pode estar (e se cremos está) nos guiando.
O deus cantado por Gil tem sua imagem deslocada: ou seja, não é aquele deus das religiões. Ele é o deus todo humano e menino. De forma ainda por se definir; de configuração esfumaçada: daí o apontar para o vazio irreversível. Deus é o vazio. Quanto mais o homem tenta se aproximar dele, despindo-se de sua humanidade, mais tropeça em abismos cada vez mais profundos e complexos. Ao final, sempre, o nada: o deus-nada e o (eterno) retorno das perguntas.
Se cada qual, hoje, pensa "deus sou eu", o sujeito da canção tenta chegar a este deus interno através da fala (do verbo) assim como o deus mitologicamente vez ao homem: soprou-lhe o verbo, dando-lhe vida. Ao cantar, portanto, o sujeito dá vida ao seu deus interior, que, por sua vez, saúda o deus interior do ouvinte, na medida em que, em ritmo de passionalização, ele se torna próximo do ouvinte e interfere na forma como este lida com sua própria divindade.
Cada "nada" cantado é salto mais profundo no abismo interior. Labirinto de espelhos: perguntas que rebatem e se refletem em outras (perguntas), sem respostas possíveis. Apenas o puro e simples, e, no entanto, revelador, exercício do pensamento: a circularidade da ilusão e do real (sempre ficcional) que sustenta a vida.
Falar com deus é se desconectar, de deus (dos apelos e convites da vida ordinária); é mergulhar mais fundo; é tentar olhar deus por trás, indiretamente; é se perder para achar, como proporia Nietzsche - aliás, como Zaratrusta sugeriu, o homem mata deus para colocar no lugar uma falta absoluta; é se esvaziar: ter a alma (a subjetividade) e o corpo nus; é fazer um bom uso dos prazeres; é, afinal, compor uma canção (de vida) para si.
A enumeração dos movimentos necessários à fala com deus se espalha pela letra e se adensa na dicção lenta e introspectiva de Gil. As três estrofes, portanto, compõem um outro deus: mais próximo (dentro) do sujeito e que dialoga com este pela vontade de também existir. Afinal, os deuses são deuses porque assim os cremos. Nossa crença é no (melhor) argumento de que algo incompreensível e, portanto, indizível pode estar (e se cremos está) nos guiando.
O deus cantado por Gil tem sua imagem deslocada: ou seja, não é aquele deus das religiões. Ele é o deus todo humano e menino. De forma ainda por se definir; de configuração esfumaçada: daí o apontar para o vazio irreversível. Deus é o vazio. Quanto mais o homem tenta se aproximar dele, despindo-se de sua humanidade, mais tropeça em abismos cada vez mais profundos e complexos. Ao final, sempre, o nada: o deus-nada e o (eterno) retorno das perguntas.
***
Se eu quiser falar com deus
(Gilberto Gil)
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
(Gilberto Gil)
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
2 comentários:
Gilberto gil além de grande compositor é um grande cantor,mas música sua que passou pela voz da deusa elis,coitado.
Essa concepção indefinida de deus,deve ser o motivo de Roberto carlos não querer gravá-lo ,já que foi feita sob encomenda.melhor pra música.
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