A sigla MPB, ao longo do tempo, virou um grande guarda-chuva, onde ritmos e temas brasileiros, à mancheia, se acotovelam e se abrigam. O termo, como sabemos, surge durante os famosos festivais da canção na TV. Aliás, MPB vem, exatamente, de Festival da Música Popular Brasileira.
A MPB, ou seja, as canções que se enquadravam nesta designação, tinham acento de protesto e resistência (valorização de nossas raízes), contra a invasão da cultura norte americana, representada por ela: a "bendida" guitarra elétrica.
Assim, teríamos, portanto, duas frentes: de um lado a MPB, moderna, pós Bossa Nova e flertando com o engajamento político-social; e do outro lado o "retrógrado e anti-nacionalista" Iê-iê-iê. O problema (ou seria a solução?) está no fato de que a canção popular, aquela que é consumida pelos meios massivos, não se limita a esta (forjada, ou não, pelo mercado) dicotomia.
Quem soube perceber tamanha atrofia e tencionar, arrombando, as fronteiras da canção popular brasileira foi, naquele momento, o pessoal da Tropicália: o desejo de fazer um som universal a partir dos contatos culturais e da hibridação brasileira. E este movimento não parou, (per)turba ainda hoje.
A canção, no Brasil, é a musa híbrida, para a qual os cancionistas, dos diversos estilos e atendendo aos diversos apelos de um público grande e também diverso, rendem graças. Basta sintonizar em uma estação de rádio como a MPB FM (90,3), do Rio de Janeiro, cuja missão e meta é abrir o leque sonoro do Brasil para o ouvinte, e perceber que não é tarefa fácil definir uma canção.
Nossa canção (suas riquezas, possibilidades e soluções) é festa de arromba. Daí o sujeito de "Arrombou a festa", de Rita Lee e Paulo Coelho, desenhar com olho agudo às falsas e verdadeiras, porém sintomáticas, contradições (e misturas) implícitas à nossa canção.
Em tom de afetado desespero - "Ai, ai meu Deus o que foi que aconteceu com a música popular brasileira? - o sujeito prolifera uma lista de observações, tanto sobre a caretice (que até agora parece embalar as canções, tornando-as "sérias" e pouco tropicais), quanto sobre atitudes que, lançadas como novas, já estão registradas na história de nossa canção desde sempre.
Com fingida sensação de perda, o sujeito elenca a pluralidade, sugerindo convivência, da canção popular. Rita Lee, letra e melodia, questiona a canção, fazendo canção: "roubando" e misturando versos e sons, além das performances vocais, Rita faz metacanção: recolhe, reitera, arromba, ratifica, diz o oposto, percorre e canta a canção: pega, mata e come.
Diante da profusão de sons (atravessamentos e deglutições do "estrangeiro") brasileiros, o jeito é arrombar a festa: fazer carnaval. O problema é que para isso acontecer é preciso assumir, com a autoironia necessária, as consequências: e nós, brasileiros, com os sérios problemas de identidade que arrastamos, temos medo de sermos, de fato, o que somos. E eis que surgem os (falsos e chatos) discursos politicamente corretos, que promovem mais segmentação do que a construção de uma sociedade de cidadãos mais respeitosos.
A canção foi registrada por Rita Lee, com a competência autoirônica e bem humorada que lhe é peculiar, no disco Refestança ao vivo (1977). As referências diretas aos cancionistas, dos variados estilos e gostos, causaram certo desconforto na classe, o que levou Rita a compor a "Arrombou a festa nº2" (1979), cujos versos "com tanto brasileiro por aí metido a bamba sucesso no estrangeiro ainda é Carmem Miranda" sintetizam a mensagem.
Assim, teríamos, portanto, duas frentes: de um lado a MPB, moderna, pós Bossa Nova e flertando com o engajamento político-social; e do outro lado o "retrógrado e anti-nacionalista" Iê-iê-iê. O problema (ou seria a solução?) está no fato de que a canção popular, aquela que é consumida pelos meios massivos, não se limita a esta (forjada, ou não, pelo mercado) dicotomia.
Quem soube perceber tamanha atrofia e tencionar, arrombando, as fronteiras da canção popular brasileira foi, naquele momento, o pessoal da Tropicália: o desejo de fazer um som universal a partir dos contatos culturais e da hibridação brasileira. E este movimento não parou, (per)turba ainda hoje.
A canção, no Brasil, é a musa híbrida, para a qual os cancionistas, dos diversos estilos e atendendo aos diversos apelos de um público grande e também diverso, rendem graças. Basta sintonizar em uma estação de rádio como a MPB FM (90,3), do Rio de Janeiro, cuja missão e meta é abrir o leque sonoro do Brasil para o ouvinte, e perceber que não é tarefa fácil definir uma canção.
Nossa canção (suas riquezas, possibilidades e soluções) é festa de arromba. Daí o sujeito de "Arrombou a festa", de Rita Lee e Paulo Coelho, desenhar com olho agudo às falsas e verdadeiras, porém sintomáticas, contradições (e misturas) implícitas à nossa canção.
Em tom de afetado desespero - "Ai, ai meu Deus o que foi que aconteceu com a música popular brasileira? - o sujeito prolifera uma lista de observações, tanto sobre a caretice (que até agora parece embalar as canções, tornando-as "sérias" e pouco tropicais), quanto sobre atitudes que, lançadas como novas, já estão registradas na história de nossa canção desde sempre.
Com fingida sensação de perda, o sujeito elenca a pluralidade, sugerindo convivência, da canção popular. Rita Lee, letra e melodia, questiona a canção, fazendo canção: "roubando" e misturando versos e sons, além das performances vocais, Rita faz metacanção: recolhe, reitera, arromba, ratifica, diz o oposto, percorre e canta a canção: pega, mata e come.
Diante da profusão de sons (atravessamentos e deglutições do "estrangeiro") brasileiros, o jeito é arrombar a festa: fazer carnaval. O problema é que para isso acontecer é preciso assumir, com a autoironia necessária, as consequências: e nós, brasileiros, com os sérios problemas de identidade que arrastamos, temos medo de sermos, de fato, o que somos. E eis que surgem os (falsos e chatos) discursos politicamente corretos, que promovem mais segmentação do que a construção de uma sociedade de cidadãos mais respeitosos.
A canção foi registrada por Rita Lee, com a competência autoirônica e bem humorada que lhe é peculiar, no disco Refestança ao vivo (1977). As referências diretas aos cancionistas, dos variados estilos e gostos, causaram certo desconforto na classe, o que levou Rita a compor a "Arrombou a festa nº2" (1979), cujos versos "com tanto brasileiro por aí metido a bamba sucesso no estrangeiro ainda é Carmem Miranda" sintetizam a mensagem.
***
Arrombou a festa
(Rita Lee / Paulo Coelho)
Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Todos falam sério, todos eles levam a sério
Mas esse sério me parece brincadeira
Benito lá de Paula com o amigo Charlie Brown
Revive em nosso tempo o velho e chato Simonal
Martinho vem da Vila lá do fundo do quintal
Tornando diferente aquela coisa sempre igual
Um tal de Raul Seixas vem de disco voador
E Gil vai refazendo seu xodó com muito amor
Dez anos e Roberto não mudou de profissão
Na festa de arromba ainda está com seu carrão
Parei pra pesquisar
Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Todos falam sério, todos eles levam a sério
Mas esse sério me parece brincadeira
O Odair José é o terror das empregadas
Distribuindo beijos, arranjando namoradas
Até o Chico Anísio já bateu pra tu batê
Pois faturar em música é mais fácil que em tevê
Celly Campello quase foi parar na rua
Pois esperavam dela mais que um banho de lua
E o mano Caetano tá pra lá do Teerã
De olho no sucesso da boutique da irmã
Bilú, bilú, fafá, faró, faró, tetéia
Severina e o filho da véia
A música popular brasileira
A música popular
Sou a garota papo firme que o Roberto falou
Da música popular
O tico-tico nu, o tico-tico cu, o tico-tico pá rá rá rá
Música popular
Olha que coisa mais linda, mais cheia de
Música popular
Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero a música popular brasilera
Pega, mata e come
(Rita Lee / Paulo Coelho)
Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Todos falam sério, todos eles levam a sério
Mas esse sério me parece brincadeira
Benito lá de Paula com o amigo Charlie Brown
Revive em nosso tempo o velho e chato Simonal
Martinho vem da Vila lá do fundo do quintal
Tornando diferente aquela coisa sempre igual
Um tal de Raul Seixas vem de disco voador
E Gil vai refazendo seu xodó com muito amor
Dez anos e Roberto não mudou de profissão
Na festa de arromba ainda está com seu carrão
Parei pra pesquisar
Ai, ai, meu Deus, o que foi que aconteceu
Com a música popular brasileira?
Todos falam sério, todos eles levam a sério
Mas esse sério me parece brincadeira
O Odair José é o terror das empregadas
Distribuindo beijos, arranjando namoradas
Até o Chico Anísio já bateu pra tu batê
Pois faturar em música é mais fácil que em tevê
Celly Campello quase foi parar na rua
Pois esperavam dela mais que um banho de lua
E o mano Caetano tá pra lá do Teerã
De olho no sucesso da boutique da irmã
Bilú, bilú, fafá, faró, faró, tetéia
Severina e o filho da véia
A música popular brasileira
A música popular
Sou a garota papo firme que o Roberto falou
Da música popular
O tico-tico nu, o tico-tico cu, o tico-tico pá rá rá rá
Música popular
Olha que coisa mais linda, mais cheia de
Música popular
Mamãe eu quero, mamãe eu quero
Mamãe eu quero a música popular brasilera
Pega, mata e come
Um comentário:
Essa letra e a gravação de Rita é muito boa,meu Deus.
Postar um comentário