Quando Moska e Billy Brandão criaram a canção "O último dia", motivada pelas especulações de fim/começo do milênio, com a pergunta-mote: "o que você faria se o mundo fosse acabar?", parece que estavam com a resposta (dada por antecipação) ecoando em seus ouvidos: vinda da "indignada" "E o mundo não se acabou", de Assis Valente, gravada por Carmen Miranda em 1938.
Segundo Ruy Castro (autor da imprescindível biografia Carmen), Carmen Miranda praticamente estreou, nos estúdios, junto com a gravação elétrica. Ela não teria a potência (altura) vocal necessária para se gravar por meio mecânico.
Mas soube usar com precisão todos os recursos tecnológicos de sua época: sempre usou a voz pequena a seu favor (para montar sua persona). E como suas cores serviram ao tecnicolor, e vice-versa! O cinema parecia, e ainda parece, ter sido feito para Carmen. Sem precisar gritar para ter sua voz captada e amplificada, nos discos, Carmen investiu noutras potências: timbres mais sutis, entonações mais brejeiras, gracejos e ritmos que o microfone permitia.
Assim, é louvável a contribuição que Henrique Cazes ofereceu à canção popular, ao remixar acústicamente canções-vértices na voz de nossa pequena notável, com o disco Carmen Miranda Hoje (2010). Carmen, aí, está mais Carmen que sempre: iluminada e valorizada. Este disco ajuda a diminuir nossa dívida com Carmen Miranda. Intervenções felizes no passado (sempre presente), possibilitadas pelas novas tecnologias.
Voltando à canção em questão, "E o mundo não se acabou" é mais uma das muitas (belas e bem feitas) composições que Assis Valente fez para sua musa: Carmen. Como todas, a mensagem da letra e a bossa impressa na melodia (que pede certa dicção própria do jeito de Carmen cantar), "E o mundo não se acabou" foi um samba de tremendo sucesso. E ainda o é, com suas regravações.
O tema do sujeito que comete "loucuras" quando sabe (garantido) que o mundo ia se acabar é, de fato, caro às inquietações humanas: o que fazer com liberdade de saber que hoje é o último dia? Explosão de alegrias ou de desesperos? Manter a agenda ou trepar sem camisinha? Ou seja, o que pode o indivíduo sob pressão? No limite? Como gastar o tempo que não dá tempo?
O sujeito da canção, motivado pela urgência da vida, e volteios da morte, que conseguem suspender (que sacrilégio!) a batucada no morro, perdoa e aproveita - faz carnaval: beija na boca de quem não devia (por algum motivo ordinário); se insinua para quem não conhece; e se vira do avesso, dançando um samba em traje de maiô.
O problema é que o mundo não acaba: o que fazer com a resseca moral? Ora, é melhor fazer uma canção, rir de si, trazer todos para a roda e sambar, afinal ele percebe que não foi o único a cometer "loucuras", já que parece ter sido correspondido nas atitudes "transviadas". Não foi um gajo que anda dizendo coisas que não se passou (será?), motivo do canto (barulho) do sujeito, nós, ouvintes, nem saberíamos de tal folia de vida: salve o prazer!
Segundo Ruy Castro (autor da imprescindível biografia Carmen), Carmen Miranda praticamente estreou, nos estúdios, junto com a gravação elétrica. Ela não teria a potência (altura) vocal necessária para se gravar por meio mecânico.
Mas soube usar com precisão todos os recursos tecnológicos de sua época: sempre usou a voz pequena a seu favor (para montar sua persona). E como suas cores serviram ao tecnicolor, e vice-versa! O cinema parecia, e ainda parece, ter sido feito para Carmen. Sem precisar gritar para ter sua voz captada e amplificada, nos discos, Carmen investiu noutras potências: timbres mais sutis, entonações mais brejeiras, gracejos e ritmos que o microfone permitia.
Assim, é louvável a contribuição que Henrique Cazes ofereceu à canção popular, ao remixar acústicamente canções-vértices na voz de nossa pequena notável, com o disco Carmen Miranda Hoje (2010). Carmen, aí, está mais Carmen que sempre: iluminada e valorizada. Este disco ajuda a diminuir nossa dívida com Carmen Miranda. Intervenções felizes no passado (sempre presente), possibilitadas pelas novas tecnologias.
Voltando à canção em questão, "E o mundo não se acabou" é mais uma das muitas (belas e bem feitas) composições que Assis Valente fez para sua musa: Carmen. Como todas, a mensagem da letra e a bossa impressa na melodia (que pede certa dicção própria do jeito de Carmen cantar), "E o mundo não se acabou" foi um samba de tremendo sucesso. E ainda o é, com suas regravações.
O tema do sujeito que comete "loucuras" quando sabe (garantido) que o mundo ia se acabar é, de fato, caro às inquietações humanas: o que fazer com liberdade de saber que hoje é o último dia? Explosão de alegrias ou de desesperos? Manter a agenda ou trepar sem camisinha? Ou seja, o que pode o indivíduo sob pressão? No limite? Como gastar o tempo que não dá tempo?
O sujeito da canção, motivado pela urgência da vida, e volteios da morte, que conseguem suspender (que sacrilégio!) a batucada no morro, perdoa e aproveita - faz carnaval: beija na boca de quem não devia (por algum motivo ordinário); se insinua para quem não conhece; e se vira do avesso, dançando um samba em traje de maiô.
O problema é que o mundo não acaba: o que fazer com a resseca moral? Ora, é melhor fazer uma canção, rir de si, trazer todos para a roda e sambar, afinal ele percebe que não foi o único a cometer "loucuras", já que parece ter sido correspondido nas atitudes "transviadas". Não foi um gajo que anda dizendo coisas que não se passou (será?), motivo do canto (barulho) do sujeito, nós, ouvintes, nem saberíamos de tal folia de vida: salve o prazer!
***
E o mundo não se acabou
(Assis Valente)
Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar
Por causa disso
Minha gente lá de casa
Começou a rezar
E até disseram que o sol
Ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite
Lá no morro
Não se fez batucada
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando
De aproveitar
Beijei a bôca
De quem não devia
Peguei na mão
De quem não conhecia
Dancei um samba
Em traje de maiô
E o tal do mundo
Não se acabou
Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar
Por causa disso
Minha gente lá de casa
Começou a rezar
E até disseram que o sol
Ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite
Lá no morro
Não se fez batucada
Chamei um gajo
Com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele
Mais de quinhentão
Agora eu soube
Que o gajo anda
Dizendo coisa
Que não se passou
E, vai ter barulho
E vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou
(Assis Valente)
Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar
Por causa disso
Minha gente lá de casa
Começou a rezar
E até disseram que o sol
Ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite
Lá no morro
Não se fez batucada
Acreditei nessa conversa mole
Pensei que o mundo ia se acabar
E fui tratando de me despedir
E sem demora fui tratando
De aproveitar
Beijei a bôca
De quem não devia
Peguei na mão
De quem não conhecia
Dancei um samba
Em traje de maiô
E o tal do mundo
Não se acabou
Anunciaram e garantiram
Que o mundo ia se acabar
Por causa disso
Minha gente lá de casa
Começou a rezar
E até disseram que o sol
Ia nascer antes da madrugada
Por causa disso nessa noite
Lá no morro
Não se fez batucada
Chamei um gajo
Com quem não me dava
E perdoei a sua ingratidão
E festejando o acontecimento
Gastei com ele
Mais de quinhentão
Agora eu soube
Que o gajo anda
Dizendo coisa
Que não se passou
E, vai ter barulho
E vai ter confusão
Porque o mundo não se acabou
3 comentários:
Em 2012, isso vai acontecer comigo! E vai ter barulho e vai ter confusão! (Risos)
Mote interessante.Assis valente já fazia música na primeira pessoa do feminino,tá certo que ele era gay,ou bissexual,mas e daí.
Adorei o artigo
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