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27 novembro 2010

331. Odeon

É Nara quem conta a história dessa canção no encarte do álbum Nara Leão (1968): "Em 1908, Ernesto Nazareth foi contratado para animar a sala de espera do cinema Odeon. Muita gente comprava ingresso para o filme, mas passava a tarde ouvindo o seu piano.(...) Em 1968, a meu pedido, Vinicius de Moraes fez a letra do chorinho que Nazareth chamou de 'Odeon'".
Ernesto Nazareth foi uma das figuras mais importantes da música popular no século XIX. Suas composições atravessam épocas e continuam instigando pesquisadores e amantes. Conforme Jairo Severiano registra no livro Uma história da música popular brasileira, Nazareth "captou o esquema rítmico-melódico criado pelos chorões e o levou para o piano, estilizando-o de forma magistral. E como era grande compositor, enriqueceu-o com belas melodias. Uma característica peculiar de sua obra é a localização na fronteira do popular com o erudito".
Vinícius de Moraes deu às letras de canção popular o frescor poético que a Bossa Nova exigia: seja a linguagem solar e coloquial (com expressões facilmente identificadas na fala, principalmente, carioca: com suas gírias e afetações), seja no uso do diminutivo doce ("O meu chorinho", por exemplo). No entanto, é preciso atentar para a distinção entre o Vinícius poeta e o Vinícius cancionista. O poetinha percebia os apelos de cada linguagem: da palavra escrita (feita para o papel) à palavra cantada (que se equilibra com uma melodia).
A canção "Odeon", de Ernesto Nazareth e Vinícius de Moraes, é exemplo da verve lírica do poetinha. Muitos anos depois da música ter sido feita, o poetinha aceita o desafio e encontra as palavras exatas para se encaixar no ritmo preexistente. Faz isso compondo uma metacanção, pois o sujeito da "Odeon" de 1968 recorre à sua infância, quando ouvia a "Odeon" de 1908.
Assim, sobrepondo épocas e eliminando as categorias estanques de tempo e de espaço já que, quando canta, o sujeito recupera o passado "tanto tempo abandonado" e ilumina o presente, "Odeon" é canção que esmiúça sua própria feitura: agrega lembranças "de um passado que era lindo, era triste, era bom" ao canto de agora: de um sujeito maduro que através do chorinho que compõe ("Ai quem me dera") se reconecta à criança perdida dentro do adulto.
Chorinho-de-rítmo e chorinho-de-lágrimas se misturam na tentativa de reconstruir um lugar esquecido na memória, um lugar que volta a ser projetado na visão do sujeito enquanto ele canta "esse bordão que me dá vida que me mata". Afinal, cantar é ter o coração daquilo.
"Odeon" é ainda metacanção quando mostra os detalhes (significantes) do choro-canção: instrumentos (flautas, cavaquinho...) e gestos (devagarzinho meia-luz, meia-voz, meio tom). A ação de acelerar e desacelerar o andamento da canção fica por conta da melodia de Nazareth, mas encontra como companhia perfeita as palavras (ora breves, ora longa), de Vinícius.
O tempo passou, muita coisa mudou e eis que surge um chorinho, mostrando a graça (ampliada pela voz doce de Nara Leão) que um choro sentido tem. A beleza do momento é tão intensa para o sujeito da canção que ele mesmo não consegue acreditar: "Quem diria que um dia, chorinho meu, você viria", diz. Não é para menos, afinal o sujeito queria transformar a poesia em realidade e consegue, quando restitui a si à glória de ser criança: de reverter o tempo e se recolher na vida antiga, amiga, ilusória e, porque ninguém hoje sabe mais, saudosa.

***
Odeon
(Ernesto Nazareth / Vinícius de Moraes)

Ai, quem me dera
O meu chorinho
Tanto tempo abandonado
E a melancolia que eu sentia
Quando ouvia
Ele fazer tanto chorar
Ai, nem me lembro
Há tanto, tanto
Todo o encanto
De um passado
Que era lindo
Era triste, era bom
Igualzinho a um chorinho
Chamado Odeon

Terçando flauta e cavaquinho
Meu chorinho se desata
Tira da canção do violão
Esse bordão
Que me dá vida
Que me mata
É só carinho
O meu chorinho
Quando pega e chega
Assim devagarzinho
Meia-luz, meia-voz, meio tom
Meu chorinho chamado Odeon

Ah, vem depressa
Chorinho querido, vem
Mostrar a graça
Que o choro sentido tem
Quanto tempo passou
Quanta coisa mudou
Já ninguém chora mais por ninguém

Ah, quem diria que um dia
Chorinho meu, você viria

Com a graça que o amor lhe deu
Pra dizer "não faz mal
Tanto faz, tanto fez
Eu voltei pra chorar com vocês"

Chora bastante meu chorinho
Teu chorinho de saudade
Diz ao bandolim pra não tocar
Tão lindo assim
Porque parece até maldade
Ai, meu chorinho
Eu só queria
Transformar em realidade
A poesia
Ai, que lindo, ai, que triste, ai, que bom
De um chorinho chamado Odeon

Chorinho antigo, chorinho amigo
Eu até hoje ainda percebo essa ilusão
Essa saudade que vai comigo
E até parece aquela prece
Que sai só do coração
Se eu pudesse recordar
E ser criança
Se eu pudesse renovar
Minha esperança
Se eu pudesse me lembrar
Como se dança
Esse chorinho
Que hoje em dia
Ninguém sabe mais

2 comentários:

Valdecy Alves disse...

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ADEMAR AMANCIO disse...

Uma de nossas melhores músicas,que me remete a dois tempos também,final dos anos 70 quando foi tema de abertura de uma novela,e a um tempo mais distante que eu nem vivi.