"Nada de mergulhos. É na superfície que o real, minúsculo plâncton, se trai", diz uma poesia de Paulo Henriques Britto. Para depois completar: "Só o raso é cool, a dor é kitsch".
Não quero, nem tenho tempo e espaço para tanto, entrar na discussão da definição de kitsch. Importa apenas saber que me guio pelo texto de Abraham Moles (O kitsch). Além do mais, penso que, no Brasil, ser ou não ser kitsch passa por uma forte imposição do gosto de cada um sobre o objeto.
Aqui onde estão os homens é tudo junto e misturado, apesar de teimarmos em separar e distinguir, a fim de, na nossa vã autoironia, forjarmos (assim pensamos ser) a civilidade.
Por exemplo, as interpretações passionais (daquelas com o coração e o estômago na boca), depois da cool bossa nova, são consideradas kitsch. Ou seja, exageradas e melodramáticas e até cafonas (outro termo complexo, por aqui).
São, portanto, as canções das chorumelas amorosas, defendidas, mesmo pós bossa nova, por alguns: como a diva do rádio Lana Bittencourt. De um tempo em os recursos técnicos pouco ajudavam à captação da voz dos cantores, ao contrário, exigiam o canto a plenos pulmões, Lana, seus trejeitos físicos de palco e sua potência vocal são a fiel memória e afirmação do Brasil Kitsch: latino, quente, tropical - que não esconde a dor de um coração rasgado e sangrando.
Assim sendo, Lana Bittencourt cantando a dramática "Sangrando", de Gonzaguinha, no disco Jubileu de prata (1982), é o ápice kitsch, já que aí temos um sujeito deixando vazar a imensidão de sua dor, através do canto: o canto é dor que faz sangrar e isso precisa ser entendido (e respeitado) pelo ouvinte. O sujeito canta o que vive e vive aquilo que sua voz entoa.
É no canto que o sujeito se entrega, diz de si, compõe sua história, insere-se no mundo. Cantor de si e do mundo ao redor, ele canta as lutas individuais e coletivas. Cantar, para ele, é estar à disposição do próprio canto: da vida, da alegria e da dor - e tudo sangra, para o bem e para o mal.
O canto é a sangria medicinal do sujeito que canta. Mas é, por outro lado, a sangria mistura de vinhos, frutas e especiarias para os ouvidos de quem ouve a mensagem do sujeito: é catarse: emersão da/na vida, pelo canto (submersão) alheio.
Cantar é apenas o jeito que o cantor tem de viver o que é amar. E Lana Bittencourt, com seu preciosismo vocal, de todos os sotaques, ama e sabe amar seu público.
Aqui onde estão os homens é tudo junto e misturado, apesar de teimarmos em separar e distinguir, a fim de, na nossa vã autoironia, forjarmos (assim pensamos ser) a civilidade.
Por exemplo, as interpretações passionais (daquelas com o coração e o estômago na boca), depois da cool bossa nova, são consideradas kitsch. Ou seja, exageradas e melodramáticas e até cafonas (outro termo complexo, por aqui).
São, portanto, as canções das chorumelas amorosas, defendidas, mesmo pós bossa nova, por alguns: como a diva do rádio Lana Bittencourt. De um tempo em os recursos técnicos pouco ajudavam à captação da voz dos cantores, ao contrário, exigiam o canto a plenos pulmões, Lana, seus trejeitos físicos de palco e sua potência vocal são a fiel memória e afirmação do Brasil Kitsch: latino, quente, tropical - que não esconde a dor de um coração rasgado e sangrando.
Assim sendo, Lana Bittencourt cantando a dramática "Sangrando", de Gonzaguinha, no disco Jubileu de prata (1982), é o ápice kitsch, já que aí temos um sujeito deixando vazar a imensidão de sua dor, através do canto: o canto é dor que faz sangrar e isso precisa ser entendido (e respeitado) pelo ouvinte. O sujeito canta o que vive e vive aquilo que sua voz entoa.
É no canto que o sujeito se entrega, diz de si, compõe sua história, insere-se no mundo. Cantor de si e do mundo ao redor, ele canta as lutas individuais e coletivas. Cantar, para ele, é estar à disposição do próprio canto: da vida, da alegria e da dor - e tudo sangra, para o bem e para o mal.
O canto é a sangria medicinal do sujeito que canta. Mas é, por outro lado, a sangria mistura de vinhos, frutas e especiarias para os ouvidos de quem ouve a mensagem do sujeito: é catarse: emersão da/na vida, pelo canto (submersão) alheio.
Cantar é apenas o jeito que o cantor tem de viver o que é amar. E Lana Bittencourt, com seu preciosismo vocal, de todos os sotaques, ama e sabe amar seu público.
***
Sangrando
(Gonzaguinha)
Quando eu soltar a minha voz
Por favor entenda
Que palavra por palavra
Eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca
Peito aberto
Vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida
Que eu estou cantando
Quando eu abrir minha garganta
Essa força tanta
Tudo que você ouvir
Esteja certa
Que estarei vivendo
Veja o brilho dos meus olhos
E o tremor nas minhas mãos
E o meu corpo tão suado
Transbordando toda a raça e emoção
E se eu chorar
E o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante
Que o teu canto é a minha força
Pra cantar
Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
É apenas o meu jeito de viver
O que é amar
(Gonzaguinha)
Quando eu soltar a minha voz
Por favor entenda
Que palavra por palavra
Eis aqui uma pessoa se entregando
Coração na boca
Peito aberto
Vou sangrando
São as lutas dessa nossa vida
Que eu estou cantando
Quando eu abrir minha garganta
Essa força tanta
Tudo que você ouvir
Esteja certa
Que estarei vivendo
Veja o brilho dos meus olhos
E o tremor nas minhas mãos
E o meu corpo tão suado
Transbordando toda a raça e emoção
E se eu chorar
E o sal molhar o meu sorriso
Não se espante, cante
Que o teu canto é a minha força
Pra cantar
Quando eu soltar a minha voz
Por favor, entenda
É apenas o meu jeito de viver
O que é amar
Um comentário:
Depois da bossa nova e da vanguarda paulista,até minha avó com laringite,pensa que canta,coitada.
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