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30 novembro 2010

333. Tempos modernos

Para Bruno Lima

Em Tempos modernos, filme de 1936 de Charles Chaplin, o protagonista vivido pelo próprio diretor faz paródia e faz pastiche tentando sobreviver em meio às perspectivas impostas pela industrialização. A mensagem social é clara e vem emoldurada pelo humor lúcido: o humano estaria perdendo espaço para as máquinas, os tais cérebros eletrônicos que, como Gilberto Gil cantou: não "dá socorro no meu caminho inevitável para a morte".
Obviamente, no filme os computadores ainda não assustavam tanto, mas já se insinuavam como signos de uma era pós-humana, na feliz expressão defendida por Lucia Santaella, em especial no livro Culturas e artes do pós-humano.
Na canção "Tempos modernos", de Lulu Santos, temos um sujeito que diante do colapso nervoso contextual forja a esperança de dias melhores no futuro. A personagem do filme e o sujeito da canção dialogam: é preciso encontrar meios de sobreviver à modernidade.
Relacionada ao desenvolvimento do Capitalismo, a modernidade é vista por melhorar a vida material, mas, sem dúvidas, por esquecer de melhorar o homem. O excesso de bens não supre as necessidades do existir: da alma, como dizem alguns.
Intoxicamo-nos de civilização e perdemos o apetite de sermos uma "gente fina elegante e sincera". O investimento insano no afastamento ou na eliminação da morte não sacia a vida: "hipocrisia que insiste em nos rodear".
Em Modernidade líquida, Zygmunt Bauman investiga o tempo que "voa e escorre pelas mãos, mesmo sem se sentir". Para o autor, hoje tudo é leve e volátil. As relações humanas, amor, são assujeitadas à inconstância e a instabilidade. E não há a previsão de modos mais estáveis futuros.
No disco Barulinho bom (1996), depois de sintomaticamente cantar "Cérebro eletrônico", Marisa Monte canta "Tempos modernos" com uma pegada mais lenta, mais contemplativa do que a versão do compositor da canção. A interpretação de Marisa investe no que vai de dentro para fora: no futuro que já é presente quando se pensa nele. "Me olha o que eu olho. É minha criação isto que vejo", diz um poema de Octávio Paz, com tradução de Haroldo de Campos.
O sujeito cambiante canta o aproveitamento do momento, já que o futuro é incerto, ou melhor, nem existe. Assim sendo, em "Tempos modernos", o que seria um canto convite de fé resulta na eloquência da desesperança de um sujeito que luta para afetar e ser afetado, em carne viva, pela vida: "Vamos viver tudo que há pra viver. Vamos nos permitir".

***

Tempos modernos
(Lulu Santos)

Eu vejo a vida
Melhor no futuro
Eu vejo isso
Por cima de um muro
De hipocrisia
Que insiste
Em nos rodear

Eu vejo a vida
Mais clara e farta
Repleta de toda
Satisfação
Que se tem direito
Do firmamento ao chão

Eu quero crer
No amor numa boa
Que isso valha
Pra qualquer pessoa
Que realizar, a força
Que tem uma paixão

Eu vejo um novo
Começo de era
De gente fina
Elegante e sincera
Com habilidade
Pra dizer mais sim
Do que não

Hoje o tempo voa amor
Escorre pelas mãos
Mesmo sem se sentir
E não há tempo
Que volte amor
Vamos viver tudo
Que há pra viver
Vamos nos permitir

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