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02 novembro 2010

306. Pôxa

Para Dalma Vieira

Pôxa, como é bom ser surpreendido com a presença da musa, da amada: daquela "pessoa querida" que nos canta: situando-nos na vida; fortalecendo, em nós, a vontade de ir indo. "Pôxa", de Milton de Souza, é o canto desta surpresa: da visão, sem esperar, da mulher mais amada, que aparece sambando na roda e rouba a atenção do poeta para si: para a sereia que o arrasta para a confusão dos sentidos, mas também para a experiência de ser, no canto, alguém pinçado (individualizado: porque consegue construir uma canção singular) da massa festiva.
Cantada por Zeca Pagodinho, no disco Vida da minha vida, 2010, "Pôxa" tem sua mensagem pulverizada e ampliada. O disco é uma homenagem: composto com canções que fazem parte do repertório de Beth Carvalho - a sambista madrinha (de profissão) de Zeca.
Assim, quando o sujeito da canção diz que foi bom encontrar o outro, de novo, "curtindo um samba junto com meu povo", podemos "ver" o agradecimento e o reconhecimento do "discípulo" (Zeca) que percebe a permanência da presença da mestre (Beth) no samba que ele faz, na obra que, no início, ganhou o apoio dela.
Esta informação biográfica ajuda a redimensionar a mensagem da canção, que também pode ser ouvida como o canto de um sujeito (cantor de samba) que canta a musa (ele se dirige inteiramente para ela) e sentencia a necessidade que ela tem do canto dele.
Ora, se pensarmos junto com o poema pessoano, que nos sugere que "os deuses são deuses porque não se pensam", inferimos uma nova intenção do sujeito de "Pôxa": que canta a surpresa de ver a deusa, que lhe cobre com inspiração. Afinal, para um deus, perder uma ovelha é perder a própria glória, como um outro poema - "A Jesus Cristo nosso senhor", de Gregório de Matos - nos sugere: "Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada, cobrai-a, e não queirais, pastor divino, perder na vossa ovelha a vossa glória".
Este desvio foi para mostrar que, na canção "Pôxa", há uma revelação da relação de interdependência musa-poeta (musa-cancionista): se ele depende dela, para lhe dar inspiração o motivo para cantar; ela também precisa dele, dos elogios e das loas para se manter musa e deusa.
O verso "um poeta louco quer o teu amor pra te fazer canção" descortina tal interpretação, acompanhado do pedido para que a musa pare de fugir do destino: ser o canto do sambista. O lugar da mulher é no coração do sujeito: coração que é caixa de amor.

***

Pôxa
(Gilson de Souza)

Pôxa,
Como foi bacana te encontrar de novo
Curtindo um samba junto com meu povo
Você não sabe como eu acho bom

Eu te falei que você não ficava nem uma semana
Longe desse poeta que tanto te ama
Longe da batucada e do meu amor

Pôxa,
Por que você não pára pra pensar um pouco?
Não vê que é motivo de um poeta louco
Que quer o teu amor pra te fazer canção

Pôxa,
Não vem com essa de mudar de assunto
Não vê como é gostoso a gente ficar junto
Mulher o teu lugar é no meu coração

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Esta música na voz do Agepê(gravação dos anos 70)também é muito boa.