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12 agosto 2010

224. Canto triste

A canção "Canto triste", de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, registrada no disco Edu Lobo (1967), é boa amostra de que cantar é (pode ser) pensar o canto: devolve a canção à ela mesma. Afinal, cada canção guarda em si uma teorização própria.
A letra com imagens sem euforia, o arranjo sofisticado, complexo e lentíssimo e a entoação arrastada (a mais não poder) de Edu Lobo fazem da forma conteúdo. O canto triste fala de si através de procedimentos (poéticos e melódicos) que "mostram" ao ouvinte tristeza, dor e solidão.
Nós, ouvintes, ficamos tão tocados pelo profundo desencanto da voz que canta que o nosso corpo responde com a experiência da passividade exigida pelo momento. Tudo é posto a fim de tematizar o quanto a vida do sujeito da canção está parada, vazia de sentido: coberta por tristezas confessadas.
O outro, que era a primavera, está ausente. Faz-se noite (de outono) no viver do sujeito que canta o pedido da volta: do outro. O canto triste é o canto da distância que tudo seca, vaza e mina.
Cantar é fazer o outro despontar no canto: tornar o outro (distante) próximo. Cantar é ficcionalizar o encontro: é criar uma mentira sincera para ser consumida. Cantar, aqui, é amar (exaltar o amor) o outro que se torna presente, no canto.
Cantar o canto triste é, ainda, reconhecer a (terrível) separação: o sonho impossível do encontro. Os lamentos do sujeito desolado vibram na tentativa de trazer o outro para perto. O canto cria a realidade (verdade) esperada.
O desejo é sempre de primavera (metáfora da vida comum às personagens). Em contraste com
o universo ao redor: o outono propiciador do canto triste. Sem o outro (a última esperança) o canto (outrora primaveril: alegre, colorido e solar) ficou triste, cinza e noturno. Agora é a lua quem lhe faz companhia.
Ensimesmado, este canto reflete e refrata os elementos que lhe fizeram assim: a inexistência de possibilidade de vida longe do outro. Até o silêncio (índice de morte) do outro é evocado, contanto que a presença (física) se faça: e o outro seja, na alma do sujeito (do canto), o amanhecer desta noite interminável e dolorosa.
A amada está no céu: solta e pulverizada pelo canto (voz) do sujeito que, ao mesmo tempo, quer tocá-la com o canto, sob o auxílio da lua (companheira dos poetas românticos). Eis o drama (e a trama) da canção.
De fato, o outro é a alma da canção, pois são as referências a ele que movimentam o canto do sujeito. O outro está dentro da canção: é o meio - a parte intocável (perdida) da vida do sujeito, já que estamos sempre agindo com/para finalidades, partindo de inícios (eternos), e esquecendo de curtir o meio.

***

Canto triste
(Edu Lobo / Vinicius de Moraes)

Porque sempre foste
A primavera em minha vida
Volta para mim
Desponta novamente no meu canto
Eu te amo tanto mais
Te quero tanto mais
Ah! quanto tempo faz partiste

Como a primavera
Que também te viu partir
Sem um adeus sequer
E nada existe mais em minha vida
Como um carinho teu
Como um silêncio teu
Lembro um sorriso teu
Tão triste

Ah! lua sem compaixão
Sempre a vagar no céu
Onde se esconde a minha bem-amada
Onde a minha namorada
Vai e diz a ela as minhas penas
E que eu peço, peço apenas

Que ela lembre
As nossas horas de poesia
As noites de paixão
E diz-lhe da saudade em que me viste
Que estou sozinho
Que só existe
Meu canto triste
Na solidão

Um comentário:

Meri Santiago disse...

Adorei sua interpretação p "Canto Triste"!
Me remete ao oco q dá eco,um oco no sentido de crú,adorei!