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14 outubro 2010

287. Negra melodia

Se Jards Anet da Silva virou Jards Macalé por ser ruim de futebol - Macalé foi o nome de um péssimo jogador do Botafogo -, na canção foi bem diferente. Mesmo, e, talvez, por isso, fora dos palcos centrais, apesar de ter canções interpretadas por Elisete Cardoso, Gal Costa e Maria Bethânia, por exemplo, ele desenvolveu, com a competência de quem sempre estudou música, uma obra que versa sobre a morbeza: morbidez e beleza.
A canção, para Macalé, parece servir como uma forma de enfrentamento (amoroso e erótico) contra a crueldade da existência. Os sujeitos criados por ele não mascaram a dor, não fingem que a vida está colorida, quando, na verdade, está cinza.
Dito assim, a obra pode soar cheia de rancor. Mas eis que brilha a beleza: há uma auto ironia, um bom humor, uma aceitação malandra das coisas, que enchem as canções de simpatia e alegria. Fazem o ouvinte concordar, pela leveza, do tratamento de temas complexos. O embate é pelo lado do humor, desestabilizando o "inimigo", que sempre espera a força física.
Para isso, a verve dramática, do ator Jards Macalé, exerce papel fundamental. Há, na performance vocal, um manejo prosódico que aproxima a mensagem. O canto é conversa entre amigos: entre o sujeito da canção e o ouvinte.
Não é à toa, portanto, a afinidade entre Jards Macalé e Moreira da Silva: o samba de breque (o desafio de contar e cantar junto e misturado, com gesto da voz) os atravessa e os une.
A canção "Negra melodia", de Jards Macalé e Waly Salomão, do disco Contrastes (1977), apresenta o desenvolvimento da feitura de uma canção que surge como explosão: daquilo que não dá mais para segurar. Ecos de história cortam os versos e a melodia de levada algo jamaicana.
Bilíngue, a letra foca e mistura elementos do chamado "Black is beautiful", ao colocar a língua inglesa e a língua portuguesa em contato. Ao mesmo tempo em que valoriza, com sátira e humor, a mestiçagem cultural brasileira: presentificada pelo barraco, pelo morro e pelo largo do Estácio (berço de bambas).
O sujeito da canção cita, ao revés, "No, woman no cry", de Bob Marley, para depois carnavalizar (há um coral de vozes femininas que acompanham, vez por outra, o embalo da canção) a imagem da mulher, que, por aqui, no "american black do brás do Brasil", é cabrocha, cocota e mona. Ou seja, com os vários sentidos que estes termos carregam, o sujeito brinca com a fetichização da sexualidade da mulata, que é a tal.
"Negra melodia" é a confirmação do pensamento híbrido que rasga e marca (a ferro e fogo) toda a história de nossa canção. A canção quer mostrar que por aqui, como Machado de Assis, com o humor que lhe é peculiar, bem traduziu (no conto "Um homem célebre"), não fazemos sonatas, mas polcas; e que a nossa relação com o corpo passa por outras particularidades: como a umbigada. Forget your troubles, sorrows, sickness, weakness and dance.

***

Negra melodia
(Jards Macalé / Waly Salomão)

Um, dois e lá vão os três
Negra melodia que vem do sangue do coração,
I Know how to dance, dance like a black young black
American black do Brás do Brasil
Dance my girl don't cry to stop me
My woman don't cry, cause, everything is gonna be all righ

O meu pisante colorido, o meu barraco lá no morro de São Carlos
Meu cachorro paraíba, minha cabrocha, minha cocota
A minha mona lá no largo do Estácio de Sá
Forget your troubles and dance
Forget your sorrows and dance
Forget your sickness and dance
Forget your weakness and dance,
reggae is another bago

2 comentários:

Rodrigo Faour disse...

Eu gosto dessa com a Margareth Menezes!

Alberto Junior disse...

Para a querida Dicy Rocha. Dicy Rocha é um dos exemplos que citei para você no e-mail. O show dela se chama Negra Melodia: http://www.myspace.com/dicyrocha