"Sei que ele guerreou com Xangô e acabou sendo morto. Mas depois Xangô e Oxalá ficaram com pena e resolveram trazê-lo de volta. Só que ele não pode mais voltar na forma humana, mas como serpente. Ele é cobra dos rios e do mar. Quando está no mar é homem e quando está no rio é mulher. Um pouco parecido comigo", disse Cássia Eller sobre o orixá Oxumarê.
A virilidade de Cássia Eller incomodava muita gente. A virilidade de Cássia Eller e seu peito nú em público incomodavam muito mais. Oxumaré da canção: sereia ambígua, musa híbrida. Marginal e centro da questão; eclética e popular. Para Rodrigo Faour, no livro História sexual da MPB, "Cássia foi a grande porta-voz de um novo estilo de homossexual: mais feliz, menos atormentado, irreverente e tranquilo".
Em Cássia, choro e berro são técnicas curtidas no interior da artista e apresentadas com o corpo todo: corpo dado ao espetáculo e ao trauma dos sujeitos cantados. Na obra de Cássia, a crítica está misturada ao lirismo memorialista coletivo. E esta mistura é tratada como manifestação da criatividade do indivíduo contemporâneo.
O sujeito de "Rubens", de Mário Manga, canta seu desejo por outro homem, como ele, igual a ele: humano e inseguro, mas bem humorado. Em termos de pautas reivindicatórias, a letra da canção dá um salto qualitativo: enquanto a militância ainda discute (e responde aos "opositores") o direito à opção sexual, o sujeito de "Rubens" afirma o desejo. Consciente-de-si o sujeito se distancia da obsessão ordinária em procurar uma identidade única e pura: luta contra a tentativa de assepsia do desejo sexual.
A canção mostra que não há opção, há desejo, afeto, carinho, amor. O sujeito mostra a Rubens que para eles não há outra saída, a não ser amar: um ao outro, como são: machos. Para isso, a dicção viril de Cássia, recheada de intervenções (cacos) e manhas vocais masculinas, é a personificação (cavalo) do malandro: do sujeito que, para viver seu desejo, precisa burlar as vigilâncias hipócritas e politicamente (in)corretas.
Guardada no disco Cássia Eller (1990), "Rubens" ainda fala da AIDS (a "peste gay"): tema espinhoso. A canção evoca pela reminiscência as palavras do sujeito de "Americanos", de Caetano Veloso: "Só um genocida em potencial - de batina, de gravata, ou de avental - pode fingir que não vê que os viados - tendo sido o grupo-vítima preferencial - estão na situação de liderar o movimento para deter a disseminação do HIV". Quando a AIDS se insinuou como freio, os homossexuais encontraram os meios de driblar as amarras (mais sociais do que químicas) e continuaram amando do jeito que sabem amar.
Em "Rubens" há final feliz, em contraposição ao sangue e às lágrimas derramados que assombram as representações do amor homossexual. Para os personagens da canção a dificuldade está fora (na aceitação da família e tal), pois dentro deles o desejo já se configurou: "Quero mas não posso (...) a gente é homem e o povo vai estranhar", diz o sujeito sob a recepção risonha do erê de "rostinho bonito e jeito diferentão de olhar" Rubens, que instala a confusão das leis do desejo e quer por fogo no Brasil: fazer dar pé "esse negócio de homem com homem, mulher com mulher".
Em Cássia, choro e berro são técnicas curtidas no interior da artista e apresentadas com o corpo todo: corpo dado ao espetáculo e ao trauma dos sujeitos cantados. Na obra de Cássia, a crítica está misturada ao lirismo memorialista coletivo. E esta mistura é tratada como manifestação da criatividade do indivíduo contemporâneo.
O sujeito de "Rubens", de Mário Manga, canta seu desejo por outro homem, como ele, igual a ele: humano e inseguro, mas bem humorado. Em termos de pautas reivindicatórias, a letra da canção dá um salto qualitativo: enquanto a militância ainda discute (e responde aos "opositores") o direito à opção sexual, o sujeito de "Rubens" afirma o desejo. Consciente-de-si o sujeito se distancia da obsessão ordinária em procurar uma identidade única e pura: luta contra a tentativa de assepsia do desejo sexual.
A canção mostra que não há opção, há desejo, afeto, carinho, amor. O sujeito mostra a Rubens que para eles não há outra saída, a não ser amar: um ao outro, como são: machos. Para isso, a dicção viril de Cássia, recheada de intervenções (cacos) e manhas vocais masculinas, é a personificação (cavalo) do malandro: do sujeito que, para viver seu desejo, precisa burlar as vigilâncias hipócritas e politicamente (in)corretas.
Guardada no disco Cássia Eller (1990), "Rubens" ainda fala da AIDS (a "peste gay"): tema espinhoso. A canção evoca pela reminiscência as palavras do sujeito de "Americanos", de Caetano Veloso: "Só um genocida em potencial - de batina, de gravata, ou de avental - pode fingir que não vê que os viados - tendo sido o grupo-vítima preferencial - estão na situação de liderar o movimento para deter a disseminação do HIV". Quando a AIDS se insinuou como freio, os homossexuais encontraram os meios de driblar as amarras (mais sociais do que químicas) e continuaram amando do jeito que sabem amar.
Em "Rubens" há final feliz, em contraposição ao sangue e às lágrimas derramados que assombram as representações do amor homossexual. Para os personagens da canção a dificuldade está fora (na aceitação da família e tal), pois dentro deles o desejo já se configurou: "Quero mas não posso (...) a gente é homem e o povo vai estranhar", diz o sujeito sob a recepção risonha do erê de "rostinho bonito e jeito diferentão de olhar" Rubens, que instala a confusão das leis do desejo e quer por fogo no Brasil: fazer dar pé "esse negócio de homem com homem, mulher com mulher".
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Rubens
(Mário Manga)
Eu nunca quis te dizer
Sempre te achei bacaninha
O tempo todo sonhando
A tua vida na minha
O teu rostinho bonito
Um jeito diferentão
De olhar no olho da gente
E de criar confusão
O teu andar malandrinho
O meu cabelo em pé
O teu cheirinho gostoso
A minha vida de ré
Você me dando uma bola
E eu perdido na escola
Essa fissura no ar
Parece que eu tô correndo
E sem vontade de andar
Quero te apertar
Quero te morder e já
Quero mas não posso, não, porque:
- Rubens, não dá
A gente é homem
O povo vai estranhar
Rubens, pará de rir
Se a tua família descobre
Eles vão querer nos engolir
A sociedade não gosta
O pessoal acha estranho
Nós dois bricando de médico
Nós dois com esse tamanho
E com essa nova doença
O mundo todo na crença
Que tudo isso vai parar
E a gente continuando
Deixando o mundo pensar
Minha mãe teria um ataque
Teu pai, uma paralisia
Se por acaso soubessem
Que a gente transou um dia
Nossos amigos chorando,
A vizinhança falando,
O mundo todo em prece
Enquanto a gente passeia,
Enquanto a gente esquece
Rubens, eu acho que dá pé
Esse negócio de homem com homem,
Mulher com mulher
(Mário Manga)
Eu nunca quis te dizer
Sempre te achei bacaninha
O tempo todo sonhando
A tua vida na minha
O teu rostinho bonito
Um jeito diferentão
De olhar no olho da gente
E de criar confusão
O teu andar malandrinho
O meu cabelo em pé
O teu cheirinho gostoso
A minha vida de ré
Você me dando uma bola
E eu perdido na escola
Essa fissura no ar
Parece que eu tô correndo
E sem vontade de andar
Quero te apertar
Quero te morder e já
Quero mas não posso, não, porque:
- Rubens, não dá
A gente é homem
O povo vai estranhar
Rubens, pará de rir
Se a tua família descobre
Eles vão querer nos engolir
A sociedade não gosta
O pessoal acha estranho
Nós dois bricando de médico
Nós dois com esse tamanho
E com essa nova doença
O mundo todo na crença
Que tudo isso vai parar
E a gente continuando
Deixando o mundo pensar
Minha mãe teria um ataque
Teu pai, uma paralisia
Se por acaso soubessem
Que a gente transou um dia
Nossos amigos chorando,
A vizinhança falando,
O mundo todo em prece
Enquanto a gente passeia,
Enquanto a gente esquece
Rubens, eu acho que dá pé
Esse negócio de homem com homem,
Mulher com mulher
Um comentário:
Eu sequer sabia que esta música existia,vou procurar,o tema muito me interessa.
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