"À flor da pele" é um dos subtítulos da canção "O que será", que Chico Buarque compôs para a trilha do filme Dona flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto. "Flor da pele", de Zeca Baleiro" cita a canção de Chico naquilo que há nela de passional: entrega e abandono de si.
É por algo que bole por dentro do sujeito que a canção de Baleiro se faz: algo que queima por dentro e o torna sensível às situações mais cotidianas, como uma cena romântica de novela; algo que não o deixa silenciar e, mesmo cansado, dizer de sua descrença.
À flor da pele, o sujeito é mais afetado pela vida. Ele canta o próprio juízo final ao perceber que a vida só existe porque ela ignora o que é: são os indivíduos que lhe dão valor; e, deste modo, confunde o próprio desejo com a vontade de não ser.
Esse incômodo com a vida é o mote da poesia: como o real não dá conta das nossas necessidades e inquietações, inventamos outras vidas; à deriva, compomos e plasmamos as paisagens ficções (sempre movediças) urgentes à nossa existência.
Mas é quando cita "Vapor barato", canção de Jards Macalé e Wally Salomão, que o sujeito de "Flor da pele" (Por onde andará Stephen Fry, 1997) arrebenta os sentidos: aqui, quando faz do canto do outro um cantar seu, o sujeito parece dizer: "eu animo o mundo quando me dirijo a alguém".
Sem certezas, o sujeito, consciente-de-si, se joga no mar da canção e encontra eco (fragmentos do desejo) no canto da sereia: a voz sampleada de Gal Costa atravessa a letra e a melodia.
Canção, o sujeito parte de algo que não começa e vai em direção à incompletude. Do cóccix até o pescoço, agindo como aquilo que o anima, o sujeito é todo canção (alheia): ele é a mentira, posto que é canção, que aponta a verdade, posto que a única verdade possível é a verdade estética - com seu começo, meio e fim.
Se somos, em grande parte, aquilo que cantamos ser, o sujeito tenciona suas bipolaridades (instinto de preservação e de suicídio) para chegar em um estado alterado de percepção: em que a vida é mais real; onde o amor e a dor não têm razão.
Desassossegado, o sujeito, ao evocar imagens próximas do paradoxo, não se exaspera e consegue a empatia do outro (de nós: ouvintes), através daquilo que nos une: o estado de solidão no mundo. O ouvinte se ouve na canção, pois o incógnito da canção é o incógnito do ser.
Como alguém se torna aquilo que é? Contando (cantando) o que se é. "Verdade-mais-erro", o sujeito faz uso da recorrente relação entre a vida e um barco (sem cais), para dizer de sua errância. Entrar na vida é viajar: "eu" estou calcado na viagem - forma máxima de ilusão.
O sujeito de "Flor da pele" se vê, antes de tomar o velho navio, em estado de navegação. Tudo aqui é líquido, desliza e escorre, não se fixa. O próprio barco figurativiza algo que flutua e o sujeito é náufrago sem cais.
É por algo que bole por dentro do sujeito que a canção de Baleiro se faz: algo que queima por dentro e o torna sensível às situações mais cotidianas, como uma cena romântica de novela; algo que não o deixa silenciar e, mesmo cansado, dizer de sua descrença.
À flor da pele, o sujeito é mais afetado pela vida. Ele canta o próprio juízo final ao perceber que a vida só existe porque ela ignora o que é: são os indivíduos que lhe dão valor; e, deste modo, confunde o próprio desejo com a vontade de não ser.
Esse incômodo com a vida é o mote da poesia: como o real não dá conta das nossas necessidades e inquietações, inventamos outras vidas; à deriva, compomos e plasmamos as paisagens ficções (sempre movediças) urgentes à nossa existência.
Mas é quando cita "Vapor barato", canção de Jards Macalé e Wally Salomão, que o sujeito de "Flor da pele" (Por onde andará Stephen Fry, 1997) arrebenta os sentidos: aqui, quando faz do canto do outro um cantar seu, o sujeito parece dizer: "eu animo o mundo quando me dirijo a alguém".
Sem certezas, o sujeito, consciente-de-si, se joga no mar da canção e encontra eco (fragmentos do desejo) no canto da sereia: a voz sampleada de Gal Costa atravessa a letra e a melodia.
Canção, o sujeito parte de algo que não começa e vai em direção à incompletude. Do cóccix até o pescoço, agindo como aquilo que o anima, o sujeito é todo canção (alheia): ele é a mentira, posto que é canção, que aponta a verdade, posto que a única verdade possível é a verdade estética - com seu começo, meio e fim.
Se somos, em grande parte, aquilo que cantamos ser, o sujeito tenciona suas bipolaridades (instinto de preservação e de suicídio) para chegar em um estado alterado de percepção: em que a vida é mais real; onde o amor e a dor não têm razão.
Desassossegado, o sujeito, ao evocar imagens próximas do paradoxo, não se exaspera e consegue a empatia do outro (de nós: ouvintes), através daquilo que nos une: o estado de solidão no mundo. O ouvinte se ouve na canção, pois o incógnito da canção é o incógnito do ser.
Como alguém se torna aquilo que é? Contando (cantando) o que se é. "Verdade-mais-erro", o sujeito faz uso da recorrente relação entre a vida e um barco (sem cais), para dizer de sua errância. Entrar na vida é viajar: "eu" estou calcado na viagem - forma máxima de ilusão.
O sujeito de "Flor da pele" se vê, antes de tomar o velho navio, em estado de navegação. Tudo aqui é líquido, desliza e escorre, não se fixa. O próprio barco figurativiza algo que flutua e o sujeito é náufrago sem cais.
***
Flor da pele
(Zeca Baleiro)
Ando tão a flor da pele
que qualquer beijo de novela me faz chorar
ando tão à flor da pele
que meu desejo se confunde com a vontade de não ser
ando tão à flor da pele
que a minha pele tem o fogo do juízo final
um barco sem porto
sem rumo sem vela
cavalo sem sela
um bicho solto
um cão sem dono
um menino um bandido
às vezes me preservo
noutras suicido
Vapor barato
(Jards Macalé / Wally Salomão)
Oh sim eu estou tão cansado
mas não pra dizer
que não acredito mais em você
... eu não preciso de muito dinheiro
graça a deus
... mas vou tomar aquele velho navio
(Zeca Baleiro)
Ando tão a flor da pele
que qualquer beijo de novela me faz chorar
ando tão à flor da pele
que meu desejo se confunde com a vontade de não ser
ando tão à flor da pele
que a minha pele tem o fogo do juízo final
um barco sem porto
sem rumo sem vela
cavalo sem sela
um bicho solto
um cão sem dono
um menino um bandido
às vezes me preservo
noutras suicido
Vapor barato
(Jards Macalé / Wally Salomão)
Oh sim eu estou tão cansado
mas não pra dizer
que não acredito mais em você
... eu não preciso de muito dinheiro
graça a deus
... mas vou tomar aquele velho navio
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