Do disco Soy latino americano (1976), a canção "Eu vou comprar esse disco", de Zé Rodrix e Lamis, é metacanção (canção que é sujeito e objeto de si) na medida em que temos uma voz que canta apartir da audição de um outro canto: que toca no rádio.
Na era da mobilidade e da reprodução técnicas, o rádio aparece como espaço de disseminação do canto sustentador da vida. Objeto portátil, com o rádio cada indivíduo pode carregar na palma da mão a sereia que lhe afirma a existência: canções que são "pano de fundo" para a movimentação do indivíduo na vida: "música para cantar no chuveiro" (...) "música para ouvir no dentista", como Arnaldo Antunes canta na sua "Música para ouvir".
Seja como for, "a vida sem música é uma tarefa cansativa, um erro", segundo Nietzsche. A música atravessa nossa constituição. E há aquelas que, de fato, parecem ter sido feitas para nós: falam alto aos nossos ouvidos, traduzem nossas (in)certezas e dúvidas.
O sujeito de "Eu vou comprar esse disco" joga com as instâncias entre ouvinte e cantor: do ouvinte da história triste, à mostra na canção que ele ouve no rádio, e por se identificar com tal história, o sujeito passa a cantar seu próprio desamor, mas, também, a glória de ter um canto que lhe amenize a solidão existencial.
O sujeito chama a atenção para o fato de que, mesmo sem se conhecerem, ele e o cantor tem conexões insuspeitadas: personagens diferentes, mas expostos, e por isso ligados, às mesmas intempéries do abandono. Se cantar é contar uma história (criar uma vida), a canção canta (sob medida) a vida do sujeito.
Ele deixa escapar a certeza de que o cancionista popular, aquele que trabalha com os temas cotidianos (manipula o ritmo primordial do ser) e circula no mercado massivo de canção, é neosereia: entidade que faz o sujeito dizer sim à vida.
O clima passional da interpretação de Zé Rodrix adensa o estado de união entre as personagens e aponta a tristeza nas histórias dos dois: fundidas. Porém, abre a possibilidade de alívio (ficar mais leve: tirar o peso), pela dor compartilhada: das histórias de saudades. Uma na outra, as personagens se sustentam, pois o cantor precisa do ouvinte, assim como este precisa de alguém que (lhe) cante.
E não importa de quem é o disco: seu cantor, compositor. O importante e urgente é que aquela história, que toca no rádio, para quem quiser ouvir, toca, mais intimamente ao sujeito de "Eu vou comprar esse disco". E ele precisa ter aquele canto para si: para poder manipular (usar e abusar) quando bem quiser. Carrega-lo consigo, da mesma forma que o canto carrega a sua história.
O sujeito, arrebatado pelo poder da voz e daquilo que é cantado pela sereia, quer tê-la para si: comprar o tal disco, trancar-se no quarto (esfera mais íntima - bolha particular - de absoluta autoproteção), e viver cantado. Esquecendo o caráter frágil e mortal do canto da sereia, livre nas ondas do rádio, cujo destino é cantar a vida de todos (daí a importância da pluralidade de ritmos e temas) que, ao acaso, invadir (e for invadido) pela magia da canção.
Seja como for, "a vida sem música é uma tarefa cansativa, um erro", segundo Nietzsche. A música atravessa nossa constituição. E há aquelas que, de fato, parecem ter sido feitas para nós: falam alto aos nossos ouvidos, traduzem nossas (in)certezas e dúvidas.
O sujeito de "Eu vou comprar esse disco" joga com as instâncias entre ouvinte e cantor: do ouvinte da história triste, à mostra na canção que ele ouve no rádio, e por se identificar com tal história, o sujeito passa a cantar seu próprio desamor, mas, também, a glória de ter um canto que lhe amenize a solidão existencial.
O sujeito chama a atenção para o fato de que, mesmo sem se conhecerem, ele e o cantor tem conexões insuspeitadas: personagens diferentes, mas expostos, e por isso ligados, às mesmas intempéries do abandono. Se cantar é contar uma história (criar uma vida), a canção canta (sob medida) a vida do sujeito.
Ele deixa escapar a certeza de que o cancionista popular, aquele que trabalha com os temas cotidianos (manipula o ritmo primordial do ser) e circula no mercado massivo de canção, é neosereia: entidade que faz o sujeito dizer sim à vida.
O clima passional da interpretação de Zé Rodrix adensa o estado de união entre as personagens e aponta a tristeza nas histórias dos dois: fundidas. Porém, abre a possibilidade de alívio (ficar mais leve: tirar o peso), pela dor compartilhada: das histórias de saudades. Uma na outra, as personagens se sustentam, pois o cantor precisa do ouvinte, assim como este precisa de alguém que (lhe) cante.
E não importa de quem é o disco: seu cantor, compositor. O importante e urgente é que aquela história, que toca no rádio, para quem quiser ouvir, toca, mais intimamente ao sujeito de "Eu vou comprar esse disco". E ele precisa ter aquele canto para si: para poder manipular (usar e abusar) quando bem quiser. Carrega-lo consigo, da mesma forma que o canto carrega a sua história.
O sujeito, arrebatado pelo poder da voz e daquilo que é cantado pela sereia, quer tê-la para si: comprar o tal disco, trancar-se no quarto (esfera mais íntima - bolha particular - de absoluta autoproteção), e viver cantado. Esquecendo o caráter frágil e mortal do canto da sereia, livre nas ondas do rádio, cujo destino é cantar a vida de todos (daí a importância da pluralidade de ritmos e temas) que, ao acaso, invadir (e for invadido) pela magia da canção.
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Eu vou comprar esse disco
(Zé Rodrix / Lamis)
Eu vou comprar esse disco que toca sempre no rádio
dizendo tudo o que eu sinto
Eu sei que o cara que canta
nem sabe que eu existo
Mas a historia que ele conta
parece feita sob medida pra mim
E é por isso que eu vou comprar esse disco
que cada vez que eu escuto me dá um nó na garganta
Talvez o cara que canta
também se sinta sozinho
Mas ele conta essa historia triste
e num instante eu já não estou tão sozinho
Eu vou comprar esse disco
e me trancar no meu quarto
E vou ouvir esse disco
até que a saudade de quem não me ama
saia de cima de mim
(Zé Rodrix / Lamis)
Eu vou comprar esse disco que toca sempre no rádio
dizendo tudo o que eu sinto
Eu sei que o cara que canta
nem sabe que eu existo
Mas a historia que ele conta
parece feita sob medida pra mim
E é por isso que eu vou comprar esse disco
que cada vez que eu escuto me dá um nó na garganta
Talvez o cara que canta
também se sinta sozinho
Mas ele conta essa historia triste
e num instante eu já não estou tão sozinho
Eu vou comprar esse disco
e me trancar no meu quarto
E vou ouvir esse disco
até que a saudade de quem não me ama
saia de cima de mim
2 comentários:
Que lindo e emocionante seu texto Leonardo...muito obrigada!
Tb fiquei encantada! Ainda mais após a Marya Bravo ter resgatado essa canção do fundo da minha memória!
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