O belo disco Balangandãs (2009) de Ná Ozzetti é uma comovente homenagem à Carmen Miranda (veneno-remédio brasileiro). Com a voz toda sua, Ná empresta os contornos corretos aos acessórios que faziam (montavam) a personagem Carmen Miranda.
Entre os balangandãs, óbvio, não poderiam faltar as canções de Assis Valente. Afinal, para o próprio compositor, Carmen foi sua melhor voz (intérprete). Ela dava às letras, cheias de volteios no sentido, o gingado brejeiro necessário para roçar os ouvintes.
É o caso, por exemplo, do clássico "Camisa listada". Mas, ao invés do movimento do corpo, de Carmen, a versão de Ná Ozzetti investe na melancolia do sujeito que canta a perda do seu objeto de desejo para a folia. Alongamentos de vogais e acompanhamentos melódicos mais calmos estabelecem o clima de passionalidade do sujeito.
Importa dizer que o corpo (dançante) não está eliminado, apenas está ausente: por aí - distante da visão do sujeito que canta. O batuque do solitário tamborim intensifica tal metáfora. Ora, sair por aí (sem destino certo) aperta a dor do sujeito que perde seu objeto. E isso está caracterizado já nos primeiros versos de "Camisa listada".
O sujeito (a voz feminina que canta) faz uso do procedimento de espalhar (para espelhar) o processo de transformação (travestimento) do indivíduo comum/cotidiano que encontra no carnaval (na batucada que já vai começando) seu espaço-tempo de liberdade da pulsão de vida.
Desde a camisa listada (índice da malandragem do outro) até o canto do sujeito - mamãe eu quero mamar" - há uma construção da imagem do indivíduo que aproveita a festa para extravasar seus desejos mais íntimos, sufocados pela imposição das normas do dia-a-dia.
Na verdade, o sujeito está mais preocupado com o que os outros vão falar, do que com a mudança (deslize semântico) de posição de seu moreno querido. Os opostos, a inversão de conduta - invés de chá com torradas parati (pinga) - auxiliam o sujeito à montar a imagem do outro.
Além da perda do outro, por parte da voz que canta, há a perda do outro por si mesmo. Afinal, ao se lançar no mundo, ou seja, ao zerar a reza e cantar, no corpo, a alegria de viver, o outro perde sua alteridade e se mistura na massa: por aí. O indivíduo adensa seu avesso.
Assis Valente foi um gênio da raça (humana): Soube usar sua (inconfessa) bipolaridade para criar canções carregadas de pluri sentidos. Ele cunhou na canção popular o complexo procedimento de intertextualidade: da canção que fala (comenta/canta) outras canções.
São vários os fragmentos de canções que Assis recolhe em suas composições. No caso de "Camisa listada" temos o malandro verso "Mamãe eu quero mamar". Malandro porque despoleta tanto o desejo de mamar, como sinônimo de beber, quanto como referência (jocosa/safada) à prática sexual.
A obra de Assis Valente merece estudo vertical. Salve Ná Ozzetti que lança novos sons sobre obra tão importante, bela e objeto de desejo!
Entre os balangandãs, óbvio, não poderiam faltar as canções de Assis Valente. Afinal, para o próprio compositor, Carmen foi sua melhor voz (intérprete). Ela dava às letras, cheias de volteios no sentido, o gingado brejeiro necessário para roçar os ouvintes.
É o caso, por exemplo, do clássico "Camisa listada". Mas, ao invés do movimento do corpo, de Carmen, a versão de Ná Ozzetti investe na melancolia do sujeito que canta a perda do seu objeto de desejo para a folia. Alongamentos de vogais e acompanhamentos melódicos mais calmos estabelecem o clima de passionalidade do sujeito.
Importa dizer que o corpo (dançante) não está eliminado, apenas está ausente: por aí - distante da visão do sujeito que canta. O batuque do solitário tamborim intensifica tal metáfora. Ora, sair por aí (sem destino certo) aperta a dor do sujeito que perde seu objeto. E isso está caracterizado já nos primeiros versos de "Camisa listada".
O sujeito (a voz feminina que canta) faz uso do procedimento de espalhar (para espelhar) o processo de transformação (travestimento) do indivíduo comum/cotidiano que encontra no carnaval (na batucada que já vai começando) seu espaço-tempo de liberdade da pulsão de vida.
Desde a camisa listada (índice da malandragem do outro) até o canto do sujeito - mamãe eu quero mamar" - há uma construção da imagem do indivíduo que aproveita a festa para extravasar seus desejos mais íntimos, sufocados pela imposição das normas do dia-a-dia.
Na verdade, o sujeito está mais preocupado com o que os outros vão falar, do que com a mudança (deslize semântico) de posição de seu moreno querido. Os opostos, a inversão de conduta - invés de chá com torradas parati (pinga) - auxiliam o sujeito à montar a imagem do outro.
Além da perda do outro, por parte da voz que canta, há a perda do outro por si mesmo. Afinal, ao se lançar no mundo, ou seja, ao zerar a reza e cantar, no corpo, a alegria de viver, o outro perde sua alteridade e se mistura na massa: por aí. O indivíduo adensa seu avesso.
Assis Valente foi um gênio da raça (humana): Soube usar sua (inconfessa) bipolaridade para criar canções carregadas de pluri sentidos. Ele cunhou na canção popular o complexo procedimento de intertextualidade: da canção que fala (comenta/canta) outras canções.
São vários os fragmentos de canções que Assis recolhe em suas composições. No caso de "Camisa listada" temos o malandro verso "Mamãe eu quero mamar". Malandro porque despoleta tanto o desejo de mamar, como sinônimo de beber, quanto como referência (jocosa/safada) à prática sexual.
A obra de Assis Valente merece estudo vertical. Salve Ná Ozzetti que lança novos sons sobre obra tão importante, bela e objeto de desejo!
***
Camisa listada
(Assis Valente)
Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Tirou o anel de doutor para não dar o que falar
E saiu dizendo eu quero mamar
Mamãe eu quero mamar, mamãe eu quero mamar
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Levou meu saco de água quente pra fazer chupeta
Rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia
Abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinação
E até do cabo de vassoura ele fez um estandarte
Para seu cordão
Agora a batucada já vai começando não deixo e não consinto
O meu querido debochar de mim
Porque ele pega as minhas coisas vai dar o que falar
Se fantasia de Antonieta e vai dançar no Bola Preta
Até o sol raiar
Camisa listada
(Assis Valente)
Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí
Em vez de tomar chá com torrada ele bebeu parati
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Tirou o anel de doutor para não dar o que falar
E saiu dizendo eu quero mamar
Mamãe eu quero mamar, mamãe eu quero mamar
Levava um canivete no cinto e um pandeiro na mão
E sorria quando o povo dizia: sossega leão, sossega leão
Levou meu saco de água quente pra fazer chupeta
Rompeu minha cortina de veludo pra fazer uma saia
Abriu o guarda-roupa e arrancou minha combinação
E até do cabo de vassoura ele fez um estandarte
Para seu cordão
Agora a batucada já vai começando não deixo e não consinto
O meu querido debochar de mim
Porque ele pega as minhas coisas vai dar o que falar
Se fantasia de Antonieta e vai dançar no Bola Preta
Até o sol raiar
Cara, descobri seu blog hoje - e já amei. Vou voltar para ler, aos poucos, as 220 já publicadas e o que vem de novo. Excelente projeto, parabéns!
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