24 dezembro 2010

358. Medo de olhar para si

Religar (2010), de Leo Cavalcanti, é um disco plugado no rumor da palavra cabeça (antenada) que encontra a parceria em melodias tão diversas quanto a brasilidade para se fazer sentir. Os sujeitos criados por Leo Cavalcanti são tão complexos e tão simples quanto o próprio movimento de subida e queda do indivíduo no mundo.
De fato, há certa ciranda de sentimentos no sujeito e que lhe faz perguntar e sugerir respostas, mas sem acordo concreto consigo mesmo: sustentando a indagação motivadora. Desassossegado, o sujeito aqui dispara contra o excesso de opções da vida contemporânea: da exuberância filosófica que confunde, ao tentar dar clareza à dúvida motriz da vida.
Aliás, nas canções de Leo Cavalcanti, a filosofia é objeto de desejo de inferno e céu. Os sujeitos roçam a vida arranhando naquilo que ela tem de consciência-de-si: o pensamento. Pensar é causar pane; misturar estruturas sonoras; embaralhar conceitos e preconceitos; olhar para traz e para frente desenhando uma possibilidade de viver no instante (cantado) presente.
Escrita, melodia, voz e presença física, em Leo Cavalcanti, amalgamam-se para dizer o absurdo da vida: o comum e o ordinário encobertos pelos luxos das (meias) verdades, eus e super-eus. Assim é o sujeito de "Medo de olhar para si", de Leo Cavalcanti: ele está sempre ensaiando. A ele só interessa o silêncio ruidoso da procura: eis o vigor da canção.
O sujeito da canção quer estourar a bolha protetora (as verdades prontas) que o mundo tenta lhe impor; quer mergulhar com as sereias e se deixar devorar. E a voz híbrida de Leo Cavalcanti é o suporte exato para isso: borrar as aquarelas e mira na pincelada inacabada (ou mal dada) pela existência.
O sujeito sabe que a evolução não dá saltos, nem é linear, portanto é preciso ouvir cada mistério sem pretender destrui-lo, desvela-lo, mas atiçando sua brasa em nós: humanos. O sujeito não quer se adaptar: e parece querer romper a pele com sua alma inquieta.
"Se desvalorizar é o mesmo que se super-amar, ambos querem excluir o resto do mundo enquanto o seu tesouro fica preso lá no fundo", diz. Estranho no mundo, o sujeito da canção seduz o próprio mundo ao iluminar (com luz negra sempre) suas camadas. O ouvinte, desconfortável, sente isso e também se inquieta: quer sair e lançar-se sem medo de olhar para si, sem sofrer de antemão, mas pagando o alto preço de estar vivo.

***

Medo de olhar para si
(Leo Cavalcanti)

Pare de sofrer de antemão
- não se julgue um cão -
Saiba que é difícil, sempre no início dá muito medo de olhar
pra si mesmo

Saiba que o ego é ilusão
- é um falso chão -
O verdadeiro ofício é se livrar do vicio
de se por um titulo e viver a esmo

Pra que se machucar com tão inútil contradição
Esse jogo insaciável de apego e aversão
Se desvalorizar é o mesmo que se super-amar
Ambos querem excluir o resto do mundo
Enquanto o seu tesouro fica preso lá no fundo

Um comentário:

  1. pARABÉNS PELA ESCOLHA, A MUSICA E LETRA SÃO ESPERANÇA NA NOVA MÚSICA BRASILEIRA.

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