22 dezembro 2010

356. Toda forma de amor

No livro Reflexões sobre a questão gay, Didier Eribon investiga com método e exigência crítica singulares a irrupção da afirmação homossexual e suas consequências para a sociedade. De fato, o contínuo reformular de atitudes da chamada "cultura gay", ao longo da história, sempre buscando distância das fórmulas prontas dadas pela "normatividade" moralista e conservadora, dispara hoje questionamentos cruciais na cena política, religiosa e cultural.
Por exemplo, enquanto o número de vítimas de preconceitos sexuais aumentam - eis um dos preços terríveis a ser pago pelo crescimento da visibilidade? - as igrejas investem todo tipo de artimanha contra a proposta da criminalização da homofobia: destilam ódio e incentivam a guerra contra o que elas chamam de "determinado grupo de cidadãos".
Como tão lucidamente Gilberto Scofiled Jr. perguntou: assim sendo, "a Lei Maria da Penha e a Lei Caó são leis que 'maximizam direitos' a mulheres que sofrem violência e negros que sofrem por racismo"? Para Scofield Jr., "se o PL 122 já tivesse virado lei (...) muitas igrejas teriam que mudar a forma como lidam com a homossexualidade para não incorrerem no crime de homofobia ao usar discursos odiosos, discriminatórios e opressores". Não está no plano das religiões perder a manutenção do poder sobre as almas sujeitadas.
Plugado na vida, o sujeito de "Toda forma de amor", de Lulu Santos, investe na própria libido - "eu sou sou homem você é minha mulher" - e deixa os outros indivíduos à liberdade de viver suas pulsões sexuais: "consideramos justa toda forma de amor".
E aqui ele, de viés, aponta algo grave: a vida alheia é sempre mais interessante que a nossa - desejamos erradamente (sem filtro) o desejo do outro - e isso nos dá uma medíocre (mas acalentadora) sensação de poder de definir o que é melhor para o outro, pois assim esquecemos de nós mesmos: de nossos acertos e erros. Desta forma, mais cômoda, sobramos de vítimas das circunstâncias; não conhecemos a dor; e não vamos à luta.
Guardada no disco também chamado Toda forma de amor (1988), a canção sugere aquilo que Didier chama de "amizade como modo de vida": carinho, amizade e respeito, coisas que só o amor mútuo é capaz de oferecer.
Ninguém sabe o fim da história, mas sabemos um bocado dos começos. A resistência e o contra-discurso do amor sobre o ódio - quando as "minorias" (mulheres,negros, homossexuais...) perceberem o poder da amizade; quando pudermos ver a verdade das máscaras - hão de vencer. Posto que aqui nessa tribo ninguém mais vai querer catequização, mas felicidade: "e a gente vive junto e a gente se dá bem", mesmo, e por isso mesmo, diferentes, sentindo-se às vezes uma bala perdida.

***

Toda forma de amor
(Lulu Santos)

Eu não pedi pra nascer
Eu não nasci pra perder
Nem vou sobrar de vítima
Das circunstâncias
Eu tô plugado na vida
Eu tô curando a ferida
Às vezes eu me sinto
Uma bala perdida

Você é bem como eu
Conhece o que é ser assim
Só que dessa história
Ninguém sabe o fim
Você não leva pra casa
E só traz o que quer
Eu sou teu homem
Você é minha mulher

E a gente vive junto
E a gente se dá bem
Não desejamos mal a quase ninguém
E a gente vai à luta
E conhece a dor
Consideramos justa toda forma de amor

Um comentário:

  1. nunca havia percebido que essa música fala do relacionamento entre iguais,eu devo ser muito distraído,ou tonto mesmo,se é que tais adjetivos tem diferença.

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