A brasileira Gilberta Salce Junior foi assassinada na cidade do Porto, em Portugal, em fevereiro de 2006. Antes, durante dois dias, sofreu todo tipo de violência transfóbica verbal e física, mantida sob cárcere, por um grupo de adolescentes (entre 12 e 16 anos de idade).
A "Balada de Gisberta", de Pedro Abrunhosa, restitui à personagem sua condição humana, destroçada; leva-nos, com tais informações extras, a pensar sobre as políticas públicas de segurança e respeito mútuo universais; e guarda de menores.
Cantada em primeira pessoa, a canção, com suas porções generosas de fantasia, realidade e delírio, pergunta: Qual é a participação de cada um de nós (ouvintes: tocados e chocados) neste monstruoso assassinato? O que motiva tais gestos? Corpo profanado pelas crianças-carrascos, que dizem estar "brincando", Gisberta exige resposta, ação e mudança coletiva e efetiva.
É com esta canção que Maria Bethânia fecha o primeiro ato de seu show Amor Festa Devoção (guardado em disco de mesmo nome, 2010). Transfigurada em Gisberta (a sem nome, sem sexo: só paixão e queda) a cantora imprime o tom mais que perfeito para marcar a saída de cena: quando perigo e encanto; alerta e convite nos envolvem.
Moradora de rua, arrastada, depois da tortura, para ser arremessada dentro de um poço d'água e morrer afogada, Gisberta é símbolo e signo de nossa condição (des)humana. Aliás, ela seria queimada viva, mas a água, ao invés do fogo, pareceu ser um final "melhor": já que o corpo afundaria, apagando para sempre a imagem de Gisberta e da "brincadeira infantil".
A água e seu mugido fez de Gisberta a sereia que não nos deixa esquecer o quão longe estamos do amor (potência sempre em desenvolvimento) coletivo. Se só o (trans)amor é real, Gisberta o chama: mesmo que ele esteja tão longe.
O amor é tão longe! Há limite para a brincadeira? Qual? O fato de Gisberta ser soropositiva e toxicodependente, como sugeriram alguns advogados? Quem matou Gisberta? A água ou as crianças?, perguntou o Ministério Público. Homicídio ou afogamento?
Importa mesmo saber? O fato é que todos (indistintamente) precisamos rever conceitos, pois, enquanto enche-se as micaretas LGBT, Gisbertas à mancheia morrem. Alguma coisa está fora da ordem faz tempo: militantes, ou não, precisam perceber isso.
"Perdi-me do nome, hoje podes chamar-me de tua", diz a Gisberta que fala na canção. Ela é uma legião: carrega na voz a multidão de marginalizados, que servem apenas para dançar em palácios, oferecer-se a mil homens, e logo depois ser descartados.
Urge responder à altura: dialogar e dizer a Gisberta que, acima dos fundamentalismos, ainda vale a pena e é possível sonhar e realizar dias melhores, sem juízos finais. Agora. Pois o céu da felicidade, de cada um e de todos, não pode esperar.
Cantada em primeira pessoa, a canção, com suas porções generosas de fantasia, realidade e delírio, pergunta: Qual é a participação de cada um de nós (ouvintes: tocados e chocados) neste monstruoso assassinato? O que motiva tais gestos? Corpo profanado pelas crianças-carrascos, que dizem estar "brincando", Gisberta exige resposta, ação e mudança coletiva e efetiva.
É com esta canção que Maria Bethânia fecha o primeiro ato de seu show Amor Festa Devoção (guardado em disco de mesmo nome, 2010). Transfigurada em Gisberta (a sem nome, sem sexo: só paixão e queda) a cantora imprime o tom mais que perfeito para marcar a saída de cena: quando perigo e encanto; alerta e convite nos envolvem.
Moradora de rua, arrastada, depois da tortura, para ser arremessada dentro de um poço d'água e morrer afogada, Gisberta é símbolo e signo de nossa condição (des)humana. Aliás, ela seria queimada viva, mas a água, ao invés do fogo, pareceu ser um final "melhor": já que o corpo afundaria, apagando para sempre a imagem de Gisberta e da "brincadeira infantil".
A água e seu mugido fez de Gisberta a sereia que não nos deixa esquecer o quão longe estamos do amor (potência sempre em desenvolvimento) coletivo. Se só o (trans)amor é real, Gisberta o chama: mesmo que ele esteja tão longe.
O amor é tão longe! Há limite para a brincadeira? Qual? O fato de Gisberta ser soropositiva e toxicodependente, como sugeriram alguns advogados? Quem matou Gisberta? A água ou as crianças?, perguntou o Ministério Público. Homicídio ou afogamento?
Importa mesmo saber? O fato é que todos (indistintamente) precisamos rever conceitos, pois, enquanto enche-se as micaretas LGBT, Gisbertas à mancheia morrem. Alguma coisa está fora da ordem faz tempo: militantes, ou não, precisam perceber isso.
"Perdi-me do nome, hoje podes chamar-me de tua", diz a Gisberta que fala na canção. Ela é uma legião: carrega na voz a multidão de marginalizados, que servem apenas para dançar em palácios, oferecer-se a mil homens, e logo depois ser descartados.
Urge responder à altura: dialogar e dizer a Gisberta que, acima dos fundamentalismos, ainda vale a pena e é possível sonhar e realizar dias melhores, sem juízos finais. Agora. Pois o céu da felicidade, de cada um e de todos, não pode esperar.
***
Balada de Gisberta
(Pedro Abrunhosa)
Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta p’ró nada.
Eu não sei se um anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.
Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.
E o amor é tão longe,
O amor é tão longe
E a dor é tão perto.
(Pedro Abrunhosa)
Perdi-me do nome,
Hoje podes chamar-me de tua,
Dancei em palácios,
Hoje danço na rua.
Vesti-me de sonhos,
Hoje visto as bermas da estrada,
De que serve voltar
Quando se volta p’ró nada.
Eu não sei se um anjo me chama,
Eu não sei dos mil homens na cama
E o céu não pode esperar.
Eu não sei se a noite me leva,
Eu não ouço o meu grito na treva,
E o fim vem-me buscar.
Sambei na avenida,
No escuro fui porta-estandarte,
Apagaram-se as luzes,
É o futuro que parte.
Escrevi o desejo,
Corações que já esqueci,
Com sedas matei
E com ferros morri.
Trouxe pouco,
Levo menos,
E a distância até ao fundo é tão pequena,
No fundo, é tão pequena,
A queda.
E o amor é tão longe,
O amor é tão longe
E a dor é tão perto.
30 comentários:
A dor está sempre
perto demais.
Você, como sempre, escreveu bem e com sensibilidade, caro Leonardo.
Às vezes, é tão duro viver nesse mundo onde os seres só tem valor de mercado...
Hoje eu estou com o peso desse mundo nas minhas costas.
bjs,
Neli
Se não participei da parada, isso fica para lembrar de que faço parte. No matter what.
Bjs
Renan Ji
seu tweet chegou enquanto ouvia a música no carro! Essa música é linda e a história da Gisberta uma loucura. Abs!
saiba que seu último texto me emocionou muito! Não sei se isso se agradece, acho que seria como dizer "obrigado" a quem lhe desejou "merda" no teatro... Por via das dúvidas, obrigada! E... merda!
Bjs,
Seu texto está maravilhoso:sensível, cortante, contundente.Parabéns.Tereza Teles
"Qual é a participação de cada um de nós nesse monstruoso assassinato?"
"E o céu não pode esperar"
Texto excelente! Música dolorida...
Estive emocionado.
que coisa mais divina! Fico feliz de haver ainda pessoas que escrevem tanta clareza de pensamento e sensibilidade. Genial!
Caro Paraioca
Que lindo este texto! Eu o li emocionado. Como eu já gosto muito da música e da interpretação da Bethânia ele ficou ainda maior e melhor com esta resenha. A dor que falam ambos os que escrevem chega perto demais da gente que acompanha. E depois de ler, pensei, em quanto tempo aquela sensação me acompanharia? Só o tempo leva uma dor. Mas, nunca leva completamente.
Caro Paraioca
Que lindo este texto! Eu o li emocionado. Como eu já gosto muito da música e da interpretação da Bethânia ele ficou ainda maior e melhor com esta resenha. A dor que falam ambos os que escrevem chega perto demais da gente que acompanha. E depois de ler, pensei, em quanto tempo aquela sensação me acompanharia? Só o tempo leva uma dor. Mas, nunca leva completamente.
Querido Davino, estou perplexo com o que li no seu tão belo blog! Essa canção agora se tornou uma oração para mim! Um cântico de respeito à vida! Obrigado!
Rapaz desde a primeira vez que assisti ao DVD e me deparei com o momento em que Bethania interpretava esta canção algo que me tocou profundamente me levando a pesquisar a origem da música e uma grata surpresa me levou até você. Belíssimo comentário e que história.
Poucas canções emocionam tanto no show!
Fiquei intrigado com o poder da letra da música e quis saber a sua origem.Fiquei mudo, pasmo, perplexo ante os fatos ocorridos e transformação da história em poema canção.
Que bom que existem pessoas com tamanha sensibilidade como você, capaz de entender, traduzir e dividir pensamentros tão nobres!
Meu caro, estou arrepiado com sua declaração abrunhosiana da leitura de Balada de Gisberta. Muita sensibilidade e acima de tudo sacação do conteúdo da música. Dou os parabéns ao Doutor que você merece ser e carregar esse título.
Olá Leonardo,
Quando ouvi essa música achei linda. Me despertou a curiosidade de saber sobre a história da música e encontrei seu blog com um texto realmente perfeito, emocionante. Adorei. Parabéns!
Não conhecia a música na voz de Maria Bethania,porem ouvi e vi o cantor Ricky Vallen cantando lindamente e fui procurar saber e te encontrei com este texto lindo e verdadeiro,parabens ao compositor Antonio Abrunhosa pela inspiração e parabens aos cantores e a vc que soube dizer a paranoia de alguns que fazem a dor ser sentida na carne.
Tambem ñ conhecia a música,mas através do cantor Ricky Vallen,que para mim ñ cantou diferente da rainha,mas cantou a altura,e fiquei de boca aberta,dentro de uma Lona Cultural ouvindo uma letra tão forte,com uma melodia tão suave,só intérpretes de responsa para buscar perolas da nossa MPB...parabéns!Dadá.
Como disse a Dadá...
Também conheci através do incrível cantor Ricky Vallen que nos apresentou e presentou com uma interpretação primorosa, explorando a carga dramática da letra e deixando-nos extremamente emocionados....
Lindo demais!
Marta Leite
Essa música é digna de aplausos, não só pela qualidade poética inegável, mas sim por toda a carga significativa emprednada nos seus versos.
Belo post!
bjoxxxxxxxxxxx no coração!
http://www.youtube.com/watch?v=e4Kn6AgcfhY&feature=related
Podem ver a versão original aqui
Parabéns pela letra de altíssimo valor poético. Vc foi perfeito!!! Já conhecia a música na voz da Diva, mas também achei linda a interpretação do cantor Ricky Vallen de quem sou fã.
Um grande abraço!!!
Excelente comentário. Parabéns
Adorei vir aqui e te ler.
Passe lá no meu blog,
se puder me adicionar,
vou adorar ter seus coments.
Abraços,
joão,poeta
Olá, cheguei aqui querendo saber quem foi Gisberta após ouvir Bethânia no rádio, e assim como a canção seu texto é maravilhoso. Parabéns! Sou (já consigo dizer) poeta e faço um espetáculo com meus poemas de amor e humor, e tenho um Blog: manoelherculano.blogspot.com
Abraço
Manoel Herculano
Lindo,lindo.Seu texto maravilhoso, avoz maravilhosa de Bethania,mas...
a tristeza da ignorância alé-mar,como cá.Bjs.
Me emocionei muito com seu texto. Ha alguns meses ouço está música todos os dias. Hoje encontrei seu texto e fui as lágrimas. Obrigado...sinceramente obrigado.
Alexandre Pantaleão.
Não conhecia nem essa letra,nem a história.por que será que tanta gente se dispôs a comentar esse post?
Cara... excelente texto.
Sempre fui tocado por esta música e hoje entendi melhor porque. Muito obrigado!
PS: a ideia do teu blog é maravilhosa! Estou criando um blog de literatura e espero que não te ofenda se eu fizer uma coluna com uma proposta parecida (não copiarei posts, será um olhar diferente).
A postagem é antiga, mas espero que isso chegue a você: seria de bom tom não revelar o nome morto de uma pessoa trans. É desrespeitoso.
Um texto sensível e delicado, mas que bota o dedo na ferida, na monstruosidade que nasce em uma sociedade que exalta a aniquilação em lugar do respeito.
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