A tarefa de registrar o real, o momento, o acontecimento é (sempre) fadada ao fracasso. Como contar o amor enquanto se ama? Como descrever o beijo enquanto se beija? Por isso, entre outros aspectos, há a poesia: para estabelecer, ao mesmo tempo, a distinção e o amálgama entre o momento e sua canção.
O sujeito de "Canções e momentos", um cantor popular, cuja voz é instrumento de vida (para si e para quem lhe ouve), percebe isso e canta o fracasso e a glória de seu empreendimento.
Gravada no disco Yauaretê (1987), "Canções e momentos", de Milton Nascimento e Fernando Brant, é o canto da própria canção e dos momentos que ela tenta capturar; portanto, metacanção: ao dizer o que pode e o que não a voz (que vai ao infinito para amarrar todos nós), a canção fala de si, investiga suas entranhas, vai à sua própria raiz.
O sujeito, cantor, assume o descontrole sobre o poder da voz: elo entre o momento e a canção. Ela, a voz, é quem une o sentimento do palco e da plateia. A magia dionisíaca em que ouvinte e aquilo que é cantado se condensam: afirmação da existência pela comunhão: o ouvinte toma aquela mensagem para si; incorpora (põe no jeito de corpo) o que é dito: se acha ao se perder, induzido pela voz (da sereia).
Há poesia, diz-nos o sujeito, quando os momentos se casam com a canção. Ou seja, quando a metáfora diz mais do que a vã e fulgás realidade; quando as fronteiras sutis entre ficção e fato borram: eis o lugar (tempo e espaço) da dúvida, do motor da fé, da poesia, da vida.
O sujeito, que vive de fazer o casamento entre canções e momentos, tal é sua profissão e missão como cantor, ele mesmo, não consegue explicar o lugar exato deste choque das duas instâncias: por isso canta, faz uma canção, usa a voz, para contar a canção, nosso livro de cabeceira.
A canção jamais será a coisa-em-si: será sempre índice, sintoma, signo. Daí a importância e a necessidade de permanecer cantando, espalhando espelhos pelo carnaval da existência. A voz, que tenta organizar o caos e a orgia (feliz ou triste) da vida, é a única detentora de uma verdade possível: ela vai ao infinito, ao indizível e impensável, arrastando-nos; situando-nos; decifrando sonhos e roçando a pele ardida dos momentos.
Gravada no disco Yauaretê (1987), "Canções e momentos", de Milton Nascimento e Fernando Brant, é o canto da própria canção e dos momentos que ela tenta capturar; portanto, metacanção: ao dizer o que pode e o que não a voz (que vai ao infinito para amarrar todos nós), a canção fala de si, investiga suas entranhas, vai à sua própria raiz.
O sujeito, cantor, assume o descontrole sobre o poder da voz: elo entre o momento e a canção. Ela, a voz, é quem une o sentimento do palco e da plateia. A magia dionisíaca em que ouvinte e aquilo que é cantado se condensam: afirmação da existência pela comunhão: o ouvinte toma aquela mensagem para si; incorpora (põe no jeito de corpo) o que é dito: se acha ao se perder, induzido pela voz (da sereia).
Há poesia, diz-nos o sujeito, quando os momentos se casam com a canção. Ou seja, quando a metáfora diz mais do que a vã e fulgás realidade; quando as fronteiras sutis entre ficção e fato borram: eis o lugar (tempo e espaço) da dúvida, do motor da fé, da poesia, da vida.
O sujeito, que vive de fazer o casamento entre canções e momentos, tal é sua profissão e missão como cantor, ele mesmo, não consegue explicar o lugar exato deste choque das duas instâncias: por isso canta, faz uma canção, usa a voz, para contar a canção, nosso livro de cabeceira.
A canção jamais será a coisa-em-si: será sempre índice, sintoma, signo. Daí a importância e a necessidade de permanecer cantando, espalhando espelhos pelo carnaval da existência. A voz, que tenta organizar o caos e a orgia (feliz ou triste) da vida, é a única detentora de uma verdade possível: ela vai ao infinito, ao indizível e impensável, arrastando-nos; situando-nos; decifrando sonhos e roçando a pele ardida dos momentos.
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Canções e momentos
(Milton Nascimento / Fernando Brant)
Há canções e há momentos
Eu não sei como explicar
Em que a voz é um instrumento
Que eu não posso controlar
Ela vai ao infinito
Ela amarra todos nós
E é um só sentimento
Na platéia e na voz
Há canções e há momentos
Em que a voz vem da raiz
Eu não sei se quando triste
Ou se quando sou feliz
Eu só sei que há momentos
Que se casa com canção
De fazer tal casamento
Vive a minha profissão
(Milton Nascimento / Fernando Brant)
Há canções e há momentos
Eu não sei como explicar
Em que a voz é um instrumento
Que eu não posso controlar
Ela vai ao infinito
Ela amarra todos nós
E é um só sentimento
Na platéia e na voz
Há canções e há momentos
Em que a voz vem da raiz
Eu não sei se quando triste
Ou se quando sou feliz
Eu só sei que há momentos
Que se casa com canção
De fazer tal casamento
Vive a minha profissão
Leonardo,
ResponderExcluirEsta semana, depois de ouvir Paulinho Pedra azul cantar "Travessia" num lindo show aqui em Valadares, rabisquei uns versos que há tempo meu coração pedia pro Fernando Brant. Com sua licença poética:
ANTE O CANTO ANCESTRAL
DE FERNANDO BRANT
Ante o canto de Fernando Brant
Eu me encanto bem muito antes
De a primeira sílaba se dar
De o segundo acorde ressoar
Seu canto é ancestral
Ao que a gente se mente
Tão diferente, tão de frente
Pressente toda a vã travessia
Um saber que não nos cabia
Contentamento descontente
Ante o canto de Fernando Brant
Eu me espanto bem muito antes
De a primeira vírgula se dar
De o segundo verso ressoar
Seu canto é sensual
Alma animal da gente
Tão de frente, tão diferente
Encontra paz na despedida
Um sabor de morte e vida
Severina sorte, San Vicente
(Dedicado a Tadeu Franco)
(Pedro Ramúcio)
*
Abraço mineiro,
Pedro Ramúcio Dóscio Dellarrama.