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04 novembro 2010

308. Sentimental demais

Para Sílvia Ribeiro

Formado na escola da noite, crooner, e do rádio, Altemar Dutra, cria do canto operístico, usava sua potência vocal para reiterar a força de sujeitos que, animais sentimentais, se apegam facilmente ao que desperta o desejo.
"Sentimental demais", de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, gravada no disco de mesmo nome, em 1964, é uma das primeiras canções que vêm à mente quando pensamos em Altemar Dutra. Redonda, a canção começa e termina com a mesma palavra - "sentimental" -, indicando o movimento do sujeito que chafurda entre seus fragmentos de desejo, sem muito espaço para movimentação, "Sentimental demais" tem mensagem direta.
O sujeito, um cantor que assume a missão íntima de cantar canções sentimentais, revela o estado bruto de seus sentimentos: sem o crivo intelectual, as canções que ele canta almejam tocar o ouvinte naquilo que há de humano demasiado humano (e que une) em todos os indivíduos.
Romântico, o sujeito carrega, na voz grandiloquente, o sentimento que energiza a alma do povo: ele é todo e puro sentimento, nega as reflexões e mergulha no fundo (sem fundo) do amor que não tem medo do ridículo. Ele ama e precisa dizer isso a todo o mundo, através do canto.
Os outros (nós: ouvintes) percebem o empenho do sujeito: quando nos versos "por isso é que se diz como ele é sentimental" o sujeito aponta o reconhecimento alheio e a reafirmação de seu empreendimento. Ou seja, ele canta o que se espera dele: todo o sentimento. Ele canta para quem ama igual a ele, é só neste estado-de-coisas que a canção pode ser, de fato, recebida.
Mas de onde vem tanto sentimento? Dela, "porque assim ela me faz", diz o sujeito. Mas quem é ela? Ora, podemos supor, a princípio, que "ela" seja a mulher amada; a musa inspiradora; a sereia que lhe dá sustento e morte.
Porém, "ela" pode aqui ser lida como a própria canção (personificada): ele, cantor, ama a canção: seu motor da luz, motivo da existência. Ele vive a cantar, espalhando sonhos e emoldurando a vida alheia; por outro lado, a canção lhe ama, pois dá a ele a potência para ser um cantor "cada vez mais sentimental".
O sujeito canta o achamento de seu lugar no mundo - ser cantor: banhar a musa com versos, sons e ritmos do mais simples e singelo afeto - e convida o ouvinte a se achar também, para melhor sentir as coisas da vida: para ver como é natural, depois da descoberta do amor, ficar, como ele ficou, cada vez mais, sentimental.

***

Sentimental demais
(Evaldo Gouveia / Jair Amorim)

Sentimental eu sou
Eu sou demais
Eu sei que sou assim
Porque assim ela me faz

As músicas que eu
Vivo a cantar
Têm o sabor igual
Por isso é que se diz
Como ele é sentimental

Romântico é sonhar
E eu sonho assim
Cantando estas canções
Para quem ama igual a mim

E quem achar alguém
Como eu achei
Verá que é natural
Ficar como eu fiquei
Cada vez mais
Sentimental

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Altemar dutra!legal este seu universalismo,só espero não encontrar música sertaneja pra frente.